Não. O Estado, ao contrário do que questiona, com reservas, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, não é a solução para salvar o jornalismo. É, até, perigoso. O próprio exemplo que o Presidente apresenta (o porte pago) para a imprensa regional, é um dos factos que sustentam esta minha posição. Existe uma enorme dependência do jornalismo regional dos poderes políticos locais.
E, obviamente, olhando para aquilo que está a suceder por esse mundo fora, a mão do Estado no jornalismo corre o sério risco de ficar demasiado pesada para a Liberdade de Imprensa e Democracia.
Há muitos que continuam a culpar a estratégia da gratuitidade do jornalismo no online. Talvez seja errado e presunçoso afirmar que não. Mas o contrário também é verdade. O maior perigo está no mesmo local onde se poderá encontrar a solução: nos jornalistas.
Já o afirmo há muito, acompanhei, desde o início, a euforia que se viveu em Portugal, por dentro, e lá fora, pelo que se foi lendo e visto. O problema maior esteve sempre do lado dos jornalistas que se colocaram à margem do desenvolvimento. Permitiram que as coisas evoluíssem sem a sua intervenção. É um pouco semelhante às pessoas que se recusam a ir votar por discordarem das políticas. Esquecem-se que estão a abdicar do maior poder que o 25 de Abril trouxe a Portugal: o direito a intervir, votar, a contribuir para a escolha e para a solução.
Deixar nas mãos (e no voto) dos outros a decisão, retira-nos o poder de queixume tardio. Tal como escreve no Público a minha colega de curso, Sónia Sapage, "o quarto poder está frustrado, como antevia, em livro, o meu (nosso) antigo professor de Teoria da Notícia Nelson Traquina". Obviamente, concordo. O jornalista não trabalha de graça!
Mas eu recordo que, durante o mesmo curso, o professor de Mutação dos Media, Pinto Balsemão, já falava nessa época do jornalista de aeroporto, com capacidade de fazer texto, fotos e vídeo. Foi isso que fiz desde que entrei no mundo da Internet, em 2003. Tracei caminhos, fiz descobertas, passei conhecimento e fui, com consciência, criticado por ceder a esse modo de trabalho. Referindo novamente Rafael Bordalo Pinheiro, a Retórica Parlamentar serve de pouco. É preciso agir.
Afinal, diziam alguns quando me viam chegar a uma conferência de imprensa ou em reportagem com tripé, câmara de vídeo e fotografia, microfones, computador para fazer diretos, "estás a roubar o trabalho dos camaradas". Não era assim, não é assim! É preciso adaptar, evoluir e lutar para que o jornalismo se mantenha, na sua essência. Ficar de fora desta evolução é viver na pré-história e esquecer que o problema pode estar antes no formato comumente aceite há anos, com o controlo dos media por grandes grupos económicos.
O próprio Público, como se sabe, é deficitário e só a vontade de Belmiro de Azevedo o manteve durante tantos anos. Será que os herdeiros terão a mesma vontade de continuar a sustentar um projeto deficitário (que para eles, empresários, é visto como produto)?
O Jornalismo tem de ser dos jornalistas. Independente de poderes de qualquer tipo. Um dia, porque tenho o projeto em espera, talvez seja a altura de colocar em livro muito do que vi nos últimos anos. A forma ligeira como se "abatem" jornalistas e projetos, ou promovem outros e se mantém nas direções sempre os mesmos. Porque será?
Mas o foco hoje está na preocupação de Marcelo Rebelo de Sousa. Legítima e sustentada no mesmo dia em que jornais de referência fizeram eco daquilo que é uma verdadeira ameaça ao jornalismo.
Os jornalistas permitiram estar a concorrer no mesmo espaço com Youtubers, sites de mentiras (porque recuso juntar na mesma designação mentira e notícia, são palavras incompatíveis).
Os jornalistas viram, ao longo dos anos, o camarada do lado ser perseguido e afastaram-se dele como se tivesse lepra. Assistiram, com medo, à limpeza que tem sido feita no jornalismo. E continua. E, quando digo isto, é com a consciência que cada um, no final do mês, precisa de pagar as faturas, alimentar os filhos (que já tiveram tarde porque um jornalista não tem horários e ganha uma miséria). A mim, tentaram despedir-me por fazer frente às pessoas que decidiam no jornal onde estava porque estavam a falhar o pagamento de salários a duas estagiárias. Obviamente, a razão estava do meu lado, fui perseguido, ameaçado, tentaram de tudo e ninguém se impôs para me defender. Obviamente, venci, saí, mas indemnizado. Chegou? Não, porque estas injustiças não têm preço, mas é melhor do que nada. Quem o fez, o protagonista desta atrocidade contra a Liberdade e direitos, dirige atualmente um dos principais jornais portugueses.
Mas, então, onde está o Quarto Poder? Perdeu-se, poderão dizer; está aí, afirmo com toda a certeza e confiança na qualidade dos jornalistas que ainda querem resistir, mas precisam do seu salário.
A solução ainda virá, o medo que os jornais fizeram ecoar por causa do Artigo 11 e Artigo 13, e que se debruça sobre os direitos de autor, deve ser olhado com atenção. O problema não está em amplificar os receios de um youtuber que, atiçado pelo Google, aproveita o poder que tem para lançar o pânico. Não, a Internet não vai acabar, a mama, sim!
E como citei a minha colega Sónia Sapage, volto a pegar no título dela "Queres Fiado? Toma". para dizer que aqui não se trata de fiar. O problema não está se é ou não gratuito, está na falta de confiança que os leitores têm no jornalismo, no total descrédito dos jornalistas. Porque, afinal, aquilo que vivemos hoje com a Internet é que navegamos diariamente numa grande lixeira. Todos e cada um de nós encontra lá algo que diz ser útil em determinado momento.
Mas já e tempo de remover o lixo, filtrar, deitar fora o que não presta, queimar, reciclar. Nessa altura, no lugar onde está a lixeira, haverá espaço para nascerem novas ideias, válidas e que geram receitas aos seus criadores.
Para quem ainda não percebeu, o Youtube enviou emails a dizer que os canais correm o risco de encerrar por causa dos direitos de autor. Não, não será isso que vai acontecer. O problema é que a Google terá de pagar o devido valor pelos milhões que tem ganho com o trabalho dos outros, a custo zero.
Nota final: Apostei numa ideia, o Faktual.pt é um projecto que pretendo seja de todos os jornalistas, que ajudem a fazê-lo crescer, que o tornem num projecto que seja capaz de gerar salários dignos. Não fiz tudo, apenas coloquei em prática aquilo que está ao meu alcance. O meu contributo, também financeiro, e apelo à união. Se recusei propostas de investidores interessados? Sim, recusei. E se isso for o motivo para falhar, então sei que fiz tudo o que tinha de ser feito.
O termo é antigo, as empresas usam este sistema há décadas, mas poucas pessoas se apercebem ou sequer ouviram falar dele. A obsolescência programada não é mais do que a decisão de uma empresa, de forma propositada, desenvolver, fabricar e distribuir um produto para consumo de forma que se torne obsoleto ou não-funcional especificamente para forçar o consumidor a comprar a nova geração do produto.
Mesmo não nos apercebendo disso, lá vamos questionando porque razão temos, por exemplo, de trocar de telemóvel (porque ficou mais lento, dá erros, as fotos têm pior qualidade do que as versões mais recentes). Também somos condicionados pela sociedade de consumo. Afinal, num país "desenvolvido" ter as versões mais recentes é algo quase inato. Seja um telefone ou uma televisão.
No caso das impressoras, por exemplo, já nem é preciso falar do exagero dos tinteiros que dificilmente cumprem o número de impressões publicitadas. Basta dizer que quase todas, a determinada altura, vão bloquear, deixar de imprimir, e o custo do arranjo será sempre superior ao de aquisição de um modelo mais recente.
A primeira grande vítima da obsolescência programada foram as lâmpadas. E neste documentário pode saber mais sobre este fenómeno que foi pensado por aquele que é considerado o primeiro grande cartel a nível mundial. Para exemplificar este fenómeno, dão o exemplo da lâmpada do quartel de bombeiros de Livermore, Califórnia, que está acesa há mais de 100 anos. Uma lâmpada com direito a uma comissão própria e transmissão em direto via webcam.
A Apple não é a única empresa a recorrer a este sistema. A sociedade de consumo obriga a que, cada vez mais, as empresas usem este esquema para desencadear novas compras.
Mas, desde a cartelização da indústria das lâmpadas, a sociedade de consumo tem usado e abusado desta estratégia para obrigar ao consumo antecipado. E quem se dá ao trabalho de contabilizar as horas que tem uma lâmpada acesa para perceber se o produto cumpre a oferta do fabricante?
Uma forma de fazer "mexer" a economia, dirão alguns, um desastre para o ambiente, defendem outros. Principalmente aqueles que em países de terceiro mundo, como o Gana, sofrem as consequências do desperdício ambiental.
A Apple, que acaba de lançar o novo iphone 7, e o sistema operativo 10, tem sido mestre na aplicação desta estratégia. A cada nova atualização do sistema operativo, os telemóveis perdem qualidade, geram avarias, mesmo quando a utilização é feita de forma cuidada. O consumidor nada pode fazer para evitar trocar para a versão mais recente. A não ser desistir da marca. Desta vez, há quem tenha ficado com o telefone sem funcionar após a atualização para o IOS 10.
Eu sou daqueles que comprou o primeiro iphone, ainda nos EUA, e tive de usar o Jailbreak para poder funcionar em Portugal. Como tal, nunca fiz update do sistema operativo. Resultado, o telefone ainda funciona, da mesma forma como funcionava no primeiro dia em que abri a caixa. A bem da verdade, o WI-Fi deixou de funcionar, e foi essa uma das razões que me levou a adquirir a versão 4, que ainda possuo.
O botão home já avariou, típico nesta versão do iphone 4, e atualmente (devido a uma queda) o botão de ligar está encravado. Há uns meses, e assim vai ficar. Onde pretendo chegar com isto, é à perda de qualidade no funcionamento do aparelho a cada atualização do sistema operativo.
As limitações de software
Como também sou fotógrafo, uma das coisas que me fascinou nos smartphones foi a capacidade das suas câmeras, das fotografias captadas. Mas, acreditem, notam-se bem as diferenças, a perda de qualidade, de uma foto tirada no primeiro dia em que abri o iphone 4, comparada com uma tirada, nas mesmas condições, hoje. Tudo isto foi sucedendo à medida que surgiam novas atualizações do sistema operativo. Mais latência, mais ruído em condições de pouca luz, pior qualidade da foto, em geral.
No entanto, sempre resisti à tentação de adquirir o iphone 5 ou 6. Tive a primeira versão de todas e o 4 e aguardava pelo 7 para fazer a troca. No entanto, além de ter pouca novidade, perdi um pouco a vontade de o comprar. Além do preço elevado, o sistema operativo parece vir incluído com uma ainda maior tendência para a obsolescência programada. Que o digam os utilizadores que fizeram update para o IOS 10 e que ficaram com os iphones "mortos".
A Apple não é a única empresa a recorrer a este sistema. A sociedade de consumo obriga a que, cada vez mais, as empresas usem este esquema para desencadear novas compras. E isto acontece num telefone, numa lâmpada ou num carro.
Juntando isto à "necessidade" que temos de comprar coisas novas, é fácil perceber que o consumo desenfreado vai continuar, até à exaustão do planeta. Além disso, quando pensamos no tema, se um produto for muito duradouro, perde a empresa, mas perdem também os operários que ficam sem emprego.
O exemplo da licra
Para as mulheres, por exemplo, as meias de licra, além de sexys, são uma dor de cabeça por causa da fragilidade. Mas nem sempre foi assim. Tal como mostra o documentário referido acima, as primeiras meias eram tão duradouras que até serviam para rebocar carros. Hoje, duram uma festa e é uma sorte chegarem ao cocktail sem um buraquito.
As impressoras contemplam um chip que conta o número de páginas impressas a partir do qual bloqueia (sendo os valores de arranjo mais caros do que a aquisição de uma nova); as baterias dos smartphones têm durações planeadas, muito curtas (sendo que no caso da Apple nem sequer tem um acesso simples para a sua troca); os computadores começam a dar problemas passado poucos anos.
E são conhecidas as declarações recentes, em março desta ano, de Phil Schiller, vice presidente de marketing da Apple que fez piada com o facto de ainda existirem cerca de 600 milhões de pessoas com computadores com mais de cinco anos. "Isto é muito triste", referiu. Recordar neste vídeo no minuto 46:16.
As declarações não caíram bem junto da comunidade. Especialistas e detentores de computadores com mais de cinco anos, que funcionam, ficaram espantados com a tentativa de Schiller em rebaixar os pobres coitados que têm um PC com cinco anos.
Para provar que existem processos como este, de obsolescência programada, há que recorrer aos tribunais. Tem havido algumas tentativas, outras estão em curso, mas será sempre difícil provar. A decisão está do lado do consumidor.
Há quem defenda que os processos industriais podem ser mais sustentáveis, mantendo empregos e a economia a funcionar. Voltando às lâmpadas, onde tudo começou, o descendente da Philips aposta num tipo de lâmpada LED que dura 25 anos.
Certamente haverá forma de conjugar a necessidade das empresas, da indústria, com a sustentabilidade do planeta porque, a este ritmo, a Terra irá ativar a sua própria obsolescência de forma a fazer reset ao excesso de desperdício.
A dúvida mantém-se, Económico é para Continuar ou vai tudo optar por dizer: Não, Obrigado!
Hoje começa mais uma semana de esforço para os trabalhadores do Económico (site e televisão). Pessoas que continuam a segurar um projeto líder mas que não tem, até ao momento, uma solução de gestão.
Sempre que existe uma luz ao fundo do túnel, os trabalhadores acabam por ser atropelados por um TGV. E, apesar da desilusão, voltam a pensar para si próprios, "mais um esforço, chegámos até aqui vale a pena lutar mais um pouco". Salários em atraso, pagos à semana. Reuniões de moralização, ou de expiação, e mais uma semana de trabalho em que mantém a liderança. Comentários, alguns desnecessários, expostos nas redes sociais.
Faz parte de todo um processo moroso e desgastante, tanto a nível físico como psicológico. Depois da demissão da direção de Raúl Vaz, atualmente diretor do Jornal de Negócios, a função foi assumida interinamente por Mónica Silvares e Filipe Alves. Numa altura em que todos decretavam já o fim do título, os novos diretores conseguiram manter o projeto a funcionar, suportados por todos os trabalhadores que continuaram a lutar pelo projeto.
O futuro do projeto não depende dos trabalhadores, depende de gestão. O porta-aviões, já afundou mais um pouco!
Sabiam que tinha de ser uma solução provisória, até que se concretizasse a aquisição por um novo investidor. Alguém que tivesse a vontade de manter o projeto e apostar na sua renovação e relançamento. O projeto, apesar de tudo, manteve-se líder ao longo de todos estes meses. Batendo o Jornal de Negócios, o concorrente direto.
Mas, semana após semana, dia após dia, o negócio de venda, que "estava por horas", tardava em chegar. Avanços, recuos, reuniões de credores, decisões no Tribunal, um comprador assumido que anuncia a desistência do negócio.
Ao mesmo tempo, o anúncio da chegada de novos projetos na área da economia. Num mercado onde os dois já existentes têm pouca margem, o aparecimento de mais um projeto fez abalar os alicerces. Para que um novo surja, o mercado terá de penalizar os outros. O bolo publicitário não vai aumentar. As fatias de cada um vão ficar mais curtas. Isto, é uma certeza.
O Económico tem a força de (ainda) ser líder e o nome, a marca. Mas, por causa das dívidas da Ongoing, os títulos estão penhorados ao Fisco e à Segurança Social. Há dúvidas que um novo comprador possa usar o título sem pagar essas dívidas. Duvido que alguém queira pegar num projeto com este peso.
Por isso, quando se fala de relançamento, fala-se também na criação de uma nova marca, a competir com o Eco já anunciado por António Costa, ex-diretor do Económico.
Neste momento, é de louvar o esforço que todos os trabalhadores do Económico (site e televisão) têm mantido até aqui, mas é quase certo que não havendo negócios, a batalha está perdida. O porta aviões foi severamente atingido e o rombo será difícil de remendar.
É preciso não esquecer que todos os trabalhadores no ativo, com excepção dos da televisão, são todos contratados da ST&SF. E mesmo a televisão, que é autosuficiente do ponto de vista financeiro, está em risco.
Os jornalistas, cujos contratos de trabalho estavam celebrados com a ST&SF (empresa que decretou falência), estão no desemprego e já têm mesmo na sua posse o papel para o Fundo de Desemprego. No entanto, mantêm-se, como sempre fizeram, a colaborar com o site, alimentado-o com notícias e liderando o mercado do jornalismo económico. É de reforçar, têm o papel para o Fundo de Desemprego na mão, mas, até agora, têm mantido o projeto a funcionar, sem conhecer o futuro. Pelo meio, uma tentativa de novos contratos com a Económico Digital (empresa que detém o site) com condições que a maioria recusa aceitar: perda de antiguidade, cortes salariais...
O anúncio de desistência de Luís Trindade do negócio, levou a que, mais uma vez, todos pensem que o esforço tem sido em vão. Desta vez, a luz ao fundo do túnel não estava lá, começou a ficar mais longe. E chega o momento em que mais vale desistir. O futuro do projeto não depende dos trabalhadores, depende de gestão. O porta-aviões, já afundou mais um pouco!
Ficou fascinado pelos olhos azuis do bichano? Mas o texto irá falar pouco, ou nada, sobre gatos.
Nos dias que correm, num panorama em que o conteúdo é a melhor "ferramenta" de uma estratégia de marketing, existe alguma confusão entre conteúdo e notícias. Os dois são assumidos como sendo exatamente a mesma coisa. Não são, e há muitas diferenças entre eles. Uma notícia pode ser considerado conteúdo mas conteúdo não é propriamente notícia. E, como derivado, uma notícia é composta por conteúdo selecionado de acordo com critérios editoriais, jornalísticos.
Principalmente quando se fala de digital, de internet, esta separação é crucial. Com a massificação da internet, das redes sociais, da partilha viral, o termo conteúdo começou a dominar o mundo dos media, da comunicação, do marketing. Evoluiu mais depressa do que o jornalismo, sem capacidade de se adequar e fazer frente à euforia do consumo e da usurpação permitida pela internet, pelas redes sociais.
Ao deixar-se enredar por este frenezim, os meios de comunicação social começaram, eles próprios, a dar relevância àquilo que se passa nas redes sociais. Ajudaram-nas a crescer, ficaram cegos pela velocidade e não tiveram capacidade de prever o futuro. O presente!
Os jornais, as televisões, os jornalistas, transformaram em notícia o conteúdo dos cidadãos, muitas vezes em detrimento das notícias produzidas pelos próprios jornalistas. Apareceu a expressão "jornalismo do cidadão", que, enquanto profissional, recuso. Tal como recuso a existência da medicina ou arquitectura popular, apenas para dar dois exemplos.
Os leitores são, pegando na ideia da história, os heróis, mas também os vilões. Ao recusarem pagar para ler notícias, aceitam tudo o que lhes entra pelas redes sociais.
Em qualquer uma das áreas há quem considere que tem valências para as praticar, e até conseguem colocá-las em prática, mas nunca se podem substituir aos profissionais treinados e com qualidade específica para os realizar. Nem os jornais e jornalistas devem divulgar esse conteúdo sem o tratamento devido.
Vamos ver uma coisa. Eu, por exemplo, sou capaz de erguer uma parede, de assentar chão, colocar azulejos, de aplicar um lambri, papel de parede ou pladur. Mas faço-o por gosto e nem me passa pela cabeça, pelo menos sem me formar e adquirir experiência nessa área, assumir-me como profissional e oferecer os meus serviços ao público. (Leia-se que não existe um curso superior para ladrilhador (há engenharias e arquiteturas), mas um período de aprendizagem mais aprofundado com alguém que já o faça, adoptando algumas regras, é essencial para poder assumir a responsabilidade).
Voltando ao conteúdo, podem surgir questões como: "não são válidos os vídeos que um cidadão coloca sobre neve, ou cheias na internet? Ou sobre os atentados de Nice?" São, com o devido filtro feito pelas redações e com limites. E, claro está, convém evitar as situações como a que levou recentemente um jornal a publicar uma foto de um suposto furacão na margem sul do Tejo. Afinal, a foto era uma montagem, feita por um internauta, e nunca foi verdade.
Ou, como sucedeu com o "atentado" de Nice, onde além de faltar o tal filtro editorial, colocou-se a nu o estado da profissão a nível global.
Feito este esclarecimento prévio, o óbvio! Conteúdo pode ser tudo, mesmo não sendo nada. Conteúdo pode ser um vídeo de um gatinho a lamber o próprio traseiro, ao mesmo tempo que arregala os olhos, ou um qualquer texto, mesmo que bem esgalhado, sobre qualquer assunto.
Notícia, é algo que deve estar restrito aos jornalistas, aos meios de comunicação social regulados e reconhecidos para o efeito. Obedece a regras deontológicas e de escrita e apenas existe para trazer ao público algo de novo, credível, trabalhado por profissionais.
Um jornalista jamais deve escrever qualquer peça de conteúdo falsa, levando a crer, hipoteticamente, que barrar o corpo com manteiga ou óleo vegetal serve para proteger dos raios nocivos do sol.
A narração de uma notícia de género jornalístico deve ser feita com exatidão, objetividade e imparcialidade. Deve ser destacada a veracidade dos factos, a clareza da linguagem e a objetividade do seu conteúdo.
Há lugar para ambos os modelos e podem mesmo conviver, no mesmo espaço. Mas, a confusão existe e tem vindo a agravar-se. A distinção podia ficar por aqui, pela rama, mas este texto precisa de ir mais fundo. Até porque é importante separar conteúdo de qualidade do chamado conteúdo viral.
O content marketing
Quem tem seguido o que escrevo neste blogue sabe que defendo a existência do content marketing como uma das soluções para os media cativarem investimento publicitário, essencialmente no digital. Porque, como se sabe, há já muitos anos que no papel existem os dossiers especiais sobre temas variados, patrocinados por marcas. Não fazer confusão com "news marketing".
E esta é "a" diferença entre notícia e conteúdo: uma notícia jamais deve responder a um patrocinador. No entanto, lembro o seguinte, se ninguém paga para ler jornais, sites de notícias, e se estes sobrevivem da publicidade, todas as notícias acabam por estar patrocinadas, indiretamente, pela publicidade existente junto a essas notícias.
E, vale sempre a pena reforçar esta ideia, o termo conteúdo patrocinado não precisa ser prejurativo porque, lá está, há conteúdo e há notícias. Acima disto tudo, deveria haver o nome e credibilidade do órgão de comunicação social, do jornalista, o respeito pela deontologia e regras do jornalismo.
Enquanto houver esta confusão de termos, a mistura de todas as coisas na internet, o jornalismo irá continuar em queda e as marcas pagam mais a um qualquer bloguer para escrever uma peça sem qualidade, desde que o blogue apresente uns números interessantes (não interessa como angariam o tráfego), do que pagam a um jornal com 100 anos de história no jornalismo.
Vamos esquecer a separação das coisas por um breve momento. Um jornalista, um profissional da comunicação, sabe que a melhor forma de chegar aos leitores é através de uma história envolvente, bem contada. Por isso, e de forma muito básica, uma notícia, por regra, respeita o formato da pirâmide invertida.
Saber escrever, contar uma história, seja na imprensa escrita, internet, rádio ou televisão (cada um dos meios com as suas especificidades) é aquilo que distingue uma boa peça de um post de blogue que, como já escrevi diversas vezes, regra geral, é uma espécie de diário digital onde os autores podem publicar qualquer coisa. Um desabafo ao estilo, "querido diário, hoje cruzei-me novamente com aqueles olhos castanhos. Mesmo estando um dia de outono, encoberto, o cabelo moreno parecia brilhar..."
Hoje em dia, ser jornalista é uma profissão com pouco mérito, atacada por quem lê.
Claro, mesmo aqui, aplica-se o conceito do contador de histórias, o tal Storytelling tão badalado no mundo do marketing e dos conteúdos. Mas, não se trata apenas de contar uma história, é preciso saber contá-la, saber como chegar aos leitores, como os envolver e os colocar como heróis da história que lêem. Porque, afinal, contar uma história todos conseguem. Contá-la de forma a cativar e envolver quem a lê ou ouve, já é outra conversa.
Por isso, acredito que tal como já sucedeu noutras áreas, com o tempo, e passado todo este "entusiasmo" dos números, dos milhões de páginas vistas, apresentados por alguns blogues, as marcas vão centrar as atenções na qualidade, na credibilidade, no nível de envolvimento que as histórias têm com o público que as lê e no retorno real do investimento feito.
Do lado dos jornais, é preciso saber assumir este espaço. Saber traçar bem aquilo que é conteúdo patrocinado, content marketing, feito pelos profissionais, do conteúdo noticioso. Saber dar aos leitores as histórias da melhor forma possível. Usar a credibilidade dos jornais e jornalistas para a produção de conteúdo de qualidade, sem cair na tentação do facilitismo da tradicional publireportagem (outro estilo, outras regras).
Como as coisas funcionam melhor com exemplos, aqui fica um: uma marca de produtos de proteção solar pode, por exemplo, patrocinar conteúdos sobre os perigos do sol, a necessidade de utilização de protetores solares, como devemos agir para nos protegermos, adultos e crianças. Sem, no entanto, ser referida uma única vez a marca no conteúdo. A marca poderá surgir nos espaços próprios, destinados à publicidade. Sim, para clareza, pode até haver a informação extra de que o conteúdo que está a ser lido foi patrocinado pela marca.
Agora, imaginem que todo este conteúdo, como se sabe que as pessoas estão mais atentas ao tema na altura do verão, é feito por decisão do jornal, do jornalista. É o facto de ninguém pagar pelo conteúdo que ele vai ter mais valor para o público?
Como é óbvio, vale a pena reforçar a questão da deontologia. Um jornalista jamais deve escrever qualquer peça de conteúdo falsa, levando a crer, hipoteticamente, que barrar o corpo com manteiga ou óleo vegetal serve para proteger dos raios nocivos do sol. Devem antes sustentar a informação com dados de especialistas, médicos, por exemplo. Dá para perceber a ideia?
A deontologia
Estou a escrever este artigo, que já tinha como rascunho há algum tempo, e chega-me uma nota do Sindicato dos Jornalistas a fazer um alerta com o seguinte título: "Nota do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas sobre publicidade e permeabilidade do jornalismo a conteúdos comerciais".
Sinceramente, desconheço se o Sindicato já discutiu alguma vez o tema do espaço de media ocupado por sites que mais nada fazem do que copiar o trabalho dos verdadeiros meios de comunicação social mas que, por terem melhores estratégias de comunicação e marketing, mostram bons números e acabam por desviar investimento publicitário.
O resultado é conhecido por todos os que vivem do negócio. O bolo publicitário é curto e quantos mais houver, menos cabe a cada um. E, como será fácil de calcular, se um meio que nada ou pouco investe para produzir uma notícia, optando pelo "picanço" de quem gasta na produção, consegue ganhar dinheiro com este conteúdo, com esta "notícia", o meio original ganha menos.
Nas discussões que tenho sobre o tema há sempre quem realce o óbvio: esses meios têm o mérito de fazer melhor divulgação, sabem usar melhor as redes sociais, etc. Claro, e eu respondo, e quando os meios originais, aqueles que sabem como produzir esse conteúdo, fecharem as portas? Onde vão os cábulas arranjar notícias para copiar?
O papel dos leitores
Os leitores não são inocentes neste processo. Os leitores são, pegando na ideia da história, os heróis, mas também os vilões. Ao recusarem pagar para ler notícias, aceitam tudo o que lhes entra pelas redes sociais, tomam como bom o conteúdo apresentado por sites com nomes desconhecidos e deixam de seguir e dar o merecido valor aos jornais com nome, com credibilidade.
Depois, como virgens ofendidas, colocam todos os jornalistas no mesmo saco, criticando, muitas vezes de forma ofensiva, toda uma classe profissional. Por isso, hoje em dia, ser jornalista é uma profissão com pouco mérito, atacada por quem lê. Serão poucos os que percebem que quanto mais lerem, de forma gratuita, criticarem os espaços de publicidade, usarem os tais bloqueadores de publicidade, cada vez irão ter menos qualidade, menos imprensa livre, menos democracia. Será que os leitores estão dispostos a pagar por conteúdo de qualidade?
Porque, afinal, os meios de comunicação social são um negócio e precisam de encontrar formas de ganhar dinheiro para pagar salário so jornalistas e outras pessoas essenciais para que as notícias cheguem aos leitores.
Já o tenho dito mas creio que vale a pena reforçar: quando lêem uma notícia, tal como lêem um livro ou ouvem uma música, sem pagar nada por ela, alguma vez pensam como os autores ganham dinheiro? Pensem nas vossas profissões, não acham justo ser remunerados pelo vosso trabalho?
Voltando à nota do Sindicato, é pouco clara em relação ao caso apresentado mas, depois de recordar a Lei de Imprensa, termina com a seguinte afirmação: "Mais, o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas alerta os jornalistas em geral para uma realidade que se tem consolidado nos órgãos de comunicação social que é o facto de haver contaminação de conteúdos e espaços jornalísticos por conteúdos publicitários ou comerciais".
Deduzo que, mediante o que se tem visto, da maior aposta dos anunciantes em conteúdo, com prejuízo da publicidade tradiconal, que o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas se refira ao content marketing. Que, recordo, tem sido a tábua de salvação de muitas redações. E pergunto, que medidas toma o Sindicato para tentar salvar os media?
A título de esclarecimento, a questão já seguiu para o Sindicato, aguarda-se resposta.
A decadência
Como jornalista, e com uma aposta na internet nos últimos 10 anos de profissão, custa-me ler os comentários das pessoas que ofendem, descredibilizam e colocam a profissão de jornalista num nível abaixo de lixo. Muitas vezes, feitos pelos mesmos que ofendem Cristiano Ronaldo e defendem Lionel Messi.
No entanto, seria bom que essas pessoas pessoas percebessem que a grande parte da responsabilidade pelo estado da profissão de jornalista é dos próprios leitores/consumidores de notícias. Ao privilegiarem "os Buzzfeed da vida" e assumirem estes meios como órgãos de comunicação social, estão a contribuir para o encerramento das redações a sério, para o despedimento de jornalistas seniores e contratação de pessoas que nada mais fazem do que "picar" notícias. Pessoas que publicam erros (e não falo apenas de erros ortográficos, muitas vezes existentes pela falta dos revisores), dão pontapés na deontologia. Mas, como já ouvi da boca de alguns dos mais altos responsáveis dos media em Portugal, "sabem mexer bem nas redes sociais".
Este é um tema que me apaixona, por razões óbvias, e poderia escrever sobre ele horas sem fim. Mas, para terminar, focando no tema que deu início a este texto, o Sindicato, tal como o jornalismo em geral, deveria adaptar-se a esta nova realidade que é a internet. Mais vale esclarecer as coisas com os leitores, deixar claro que há notícias e conteúdo e que pode até haver uma marca com interesse em divulgar determinado conteúdo, mas assegurando sempre a separação das notícias e o respeito pela deontologia.
E, já agora, lanço a pergunta, se choca assim tanto aos leitores o jornalismo ao estilo Correio da Manhã, porque continua esse jornal e televisão a liderar audiências?
Porque será que aquilo que se torna viral e é visto por milhões é o conteúdo voyeurista, violento?
Já o escrevi e repito: todos defendem a RTP2, mas ninguém vê. Todos criticam o "Big Brother" mas é o que mais se ouve comentar nos cafés.
Última nota sobre Nice
Estava de férias quando ocorreu o "atentado" de Nice. Vi, incrédulo, as mesmas imagens em quase todos os canais por onde fiz zapping no momento em que as televisões estavam todas a emitir em direto. Não foi apenas na CMTV que vi imagens de sangue, de corpos estrupiados, em direto, sem filtros.
Isto acontece pelo frenesim em que vivemos, pelos números das audiências. Mais uma vez, cabe aos leitores escolherem o que querem ver e, até agora, todos vêem o lhes passa no Facebook, clicam em imagens, em títulos apelativos, dão o tal clique a sites que ninguém conhece. Partilham, ajudam o algoritmo do Facebook a tornar o "conteúdo" viral. São livres de o fazerem, mas não acusem os jornalistas, pelo menos aqueles que ainda trabalham de forma digna.
Só quando o fizerem se evitam situações como as relatadas durante o atentado em Nice.
Quantos jornalistas, médicos, comerciantes, estão aqui a celebrar?
Desde sempre, e as regras são claras, que um jornalista deve "a) Exercer a actividade com respeito pela ética profissional, informando com rigor e isenção;". Assim dita a alínea a) do Artigo 14º do Estatuto do Jornalista, publicado no site da Comissão da Carteira Profissional.
Já no Código Deontológio, entre outras regras, pode ler-se, logo no primeiro ponto, que "O jornalista deve relatar os factos com rigor e exatidão e interpretá-los com honestidade. Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. A distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público."
A esta altura, devem estar a questionar-se, porque razão estarei a transcrever estes factos? Surgem a propósito daquilo que hoje, em particular, surge nas redes sociais em relação a jornalistas que felicitam o benfica pela conquista do campenato. É preciso não esquecer que há outros tantos que também dão os parabéns ao Sporting ou ao FC Porto.
Mas, o que aqui está em causa é a tentativa de tornar estas manifestações públicas da cor clubística, um direito de qualquer cidadão que vive em Liberdade, numa espécie de clube de pessoas que ajudaram o Benfica a conquistar o campeonato.
Antes de mais nada, e tal como está escrito na Lei do jornalista, uma coisa é a redação de notícias e o seu trabalho de cobertura de eventos, outra a sua vida como cidadão. Não está escrito em lado nenhum, e seria ridículo, que um jornalista não pode ter preferências clubísticas, religiosas ou políticas. Já agora, também preferências amorosas.
O que não deve suceder é um jornalista publicar trabalhos na imprensa, televisão ou rádio, que violem as regras. Mas um jornalista não está impedido de se manifestar publicamente, como cidadão. E, apesar de tudo, um jornalista, pela responsabilidade que tem, dev ser moderado nos comentários que faz, pode dizer, mas sem apelar a violência, ou ofender os outros, por exemplo. Algo que defendo que todos deveriam fazer!
Que os árbitros erram, não restam dúvidas, que o fazem porque foram pagos para tal, recuso acusar sem provas.
Vejamos, por exemplo, o caso de Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República Portuguesa. Todos conhecem as suas preferências clubísticas, não está impedido de as mostrar. No desempenho das suas funções deve manter a isenção devida e tratar o tema com o respeito que todos os cidadãos merecem.
O mesmo se passa com os jornalistas. No seu trabalho devem ser isentos mas nada os impede de terem uma vida social ativa e participativa. Como tal, considero que podem festejar, ou manifestar a sua tristeza, pelas vitórias ou derrotas dos seus clubes.
A título de esclarecimento, não estou a defender as situações em que a imprensa, as rádios ou televisões, eventualmente, publiquem artigos tendenciosos que violem as regras. Aí, têm de ser as instituições reguladoras a intervir, através da análise e punição dos prevaricadores.
Estou sim a defender que um jornalista é um cidadão, e tem direito à sua opinião. Aliás, está previsto na lei que o jornalista pode escrever opinião desde que seja claro para o leitor que se trata de um artigo opinativo, tal como descrito no ponto 1 do Código Deontológico.
Outro exemplo, os médicos. Podem nem gostar de um pedófilo, ou de um assassino. Mas se o tiverem na mesa de operações, têm a responsabilidade de tudo fazer para lhe salvar a vida. Podem dizer publicamente que pessoas assim deviam perder a vida? Pode um médico, adepto do Benfica, recusar tratar em condições um do Sporting? Podem, mas a sua obrigação profissional, o seu juramento, obriga-o a respeitar regras.
Esta moda, que tem crescido nos últimos anos, despromovendo a classe jornalística, em parte, tem um fundo de responsabilidade dos própios jornalistas. Ou melhor, de algumas pessoas que se dizem jornalistas e que têm dominado as redações.
Será errado um jornalista assumir as suas preferências clubísticas?
A precária situação profissional dos jornalistas, que se mantêm sob a constante ameaça de despedimento, a maioria está anos sem fim a recibos verdes, com salários abaixo dos 900 euros, permite que tal suceda. Quando se fala de pressões, de perseguições, talvez fosse bom olhar em primeiro lugar para "o que se passa, de verdade, nas redações".
Vou deixar este tema para outro dia porque obriga a uma refelxão mais profunda. Hoje, falamos da liberdade que um cidadão, que por acaso até exerce a profissão de jornalista, tem de se exprimir publicamente.
Mesmo sendo um jornalista desportivo? Sim, mesmo sendo um jornalista que habitualmente faz a cobertura de eventos desportivos. Sempre que abordo este tema, em conversas, é incontornável, fala-se do jornal A Bola, da sua "suposta" ligação ao Benfica. Vou deixar de lado qualquer comentário ao tema, serve apenas para referir que tenho amigos, sportinguistas ferrenhos, que compram este jornal relegiosamente. Depois criticam, falam do "benfiquismo" dos artigos. Mas compram porquê, questiono? "Não consigo deixar de comprar, é um vício". Eu acrescento, é a paixão do futebol. Onde um lê algo negativo, outro revê-se por inteiro.
A bem da imprensa, digo, um vício bom, comprar jornais. Mas que há coisas menos claras, não restam dúvidas. Agora, são estas notícias que fazem ganhar campeonatos? Os jogos não se fazem dentro de campo? Fazem, e com tudo o que isso implica. Arbitragem incluída.
Para mim, aquilo que é mais grave, é o facto das pessoas apenas lerem aquilo que defino como "as cenas sensacionalistas". Desde 2003 que trabalho no digital, onde se consegue medir, ao segundo, aquilo que as pessoas lêm. Há mais de 12 anos que sei que as pessoas gostam e valorizam os títulos que falam de acidentes, mortes, violações, Benfica, Sporting, Porto (no caso dos clubes, normalmente por esta ordem).
Se eu fizer uma notícia a falar do Belenenses, terei pouco sucesso. Talvez seja lido pelo meu amigo João. Meia dúzia de cliques. A mesma notícia, mas com Benfica ao barulho, tem um impacto muito superior. E isto sucede porquê? Porque é aquilo que as pessoas querem ler e valorizam. E, acreditem, não serão apenas os benfiquistas a ler...
É semelhante ao fenómeno da RTP2: todos dizem que é relevante, como serviço público, mas ninguém vê. Ou como o Big Brother e programas idênticos, todos criticam, mas as audiências mostram que está tudo pregado ao ecrãn.
Por isso, quando vejo nas redes sociais críticas, até de alguns jornalistas que se dizem "envergonhados", pelo facto de haver outros que colocam fotos a celebrar com o clube da sua preferência, pergunto. Qual é o mal, desde que não estejam a publicar isso como trabalho ou não deixem essas preferências influenciar os seus artigos?
Um jornalista não vota? Vota. E mesmo sendo um jornalísta que acompanha temas políticos ou de economia, tem a obrigação de manter a isenção quando escreve um artigo. Agora, sejamos claros, um jornalista é um ser humano e é quase impossível falar de uma isenção a 100 por cento. Nem que essa "suposta falta de isenção" seja feita pela relevância que dá a um tema. Convencionou-se chamar a isso, opção editorial.
Para os que me acompanham no que escrevo nos três blogues que alimento, sabem que, mesmo na opinião que exprimo na escrita, tento manter as coisas com um nível sério. Mesmo quando falo de política, tenho sempre presente que, acima de tudo, gostava de ter políticos honestos, sejam de esquerda ou direita.
A isenção é algo complicado de definir para um ser humano. Por isso, quando um jornalista escreve um artigo, deve limitar-se aos factos e deixar para textos de opinião a sua visão pessoal.
Naquilo que me diz respeito, prefiro manter as coisas de forma clara. Prefiro saber as inclinações pessoais de um jornalista para, quando ler o que escreve, fazer os devidos filtros. Mas há algo que, como profissional, para mim é sagrado. Honestidade dos factos. Essa deve ser a linha que um jornalista jamais deve ultrapassar.
Vamos aos factos. O Benfica mereceu conquistar o campeonato? Os factos dizem que sim. Teve mais pontos, bateu até rocorde de pontos (88), do que o Sporting.
Houve casos de jogo, penaltis por assinalar? Houve, também é um facto. Mas eu, como jornalista, não possuo dados que me permitam acusar árbitros. Sabemos, pelas repetições das imagens televisivas, que houve penaltis por assinalar ou outros que não existiram, de facto. Mas é quase impossível dizer que o árbitro viu e decidiu ignorar. A título de experiência, porque eu já a fiz, convido qualquer um a colocar-se em campo, num jogo, no papel do árbitro e a decidir dezenas de situações em simultâneo. É impossível ver tudo. Basta estar posicionado um metro mais à frente ou mais atrás para ser impossível saber se a bola passou ou não a linha, que o jogador estava ou não fora de jogo, que a falta existiu e que foi dentro ou fora da área.
Mesmo com as imagens de televisão, muitas vezes, continua a dúvida. Por isso, continuamos a alimentar a paixão com os casos de jogo. A culpar os árbitros. Que eles erram, não restam dúvidas, que o fazem porque foram pagos para tal, recuso acusar sem provas.
Por isso, quando se fala que uma notícia influenciou o resultado de um jogo, recordo-me sempre dos "mind games" de Mourinho. Cabe, também, aos treinadores, manter os jogadores focados. Cabe aos presidentes dos clubes a responsabilidade de zelarem pela verdade desportiva e por um bom ambiente nos estádios. E não fazerem aquilo que habitualmente fazem que se reduz à inflamação dos adeptos que leva a confrontos desnecessários. Que impede que eu, como adepto, arrisque levar a minha filha a assistir a um jogo de futebol porque no fundo sei que a vou colocar em risco de vida.
Como cidadão, como adepto, posso comentar, opinar. Dizer que o Benfica venceu este campeonato até com alguma sorte, depois do arranque mal conseguido. Posso até comentar que Jorge Jesus pagou a arrogância das suas declarações. Mas, como jornalista, devo manter as coisas ao nível dos factos.
Pior são os que se escondem, camuflados. Os que criam factos, manipulam. Mas, como já disse, cabe às entidades reguladoras estarem atentas e agir como manda a lei.
Resta apenas terminar com a observação que ontem me assolou enquanto voltava, de bicicleta, do parque infantil com a minha filha: A crise acabou, a julgar pela quantidade de gente que andou a queimar combustível, na véspera de mais uma aumento deste líquido "precioso".