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Os media estão a viver na era de "The Walking Dead"

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A crise que afeta os media portugueses é como um vírus que ocupa praticamente todo o planeta. Por muito que se procurem culpados este é um fenómeno ao nível do que se representa na série de ficção "The Walking Dead".

 

Antes de mais, convém dizer que a culpa não morre apenas na Internet. Aliás, a título de esclarecimento prévio, este meio é valioso e tem sido ignorado pela gestão das empresas de media.

 

No entanto, a Internet lançou um vírus que apenas ajuda a propagar os chamados "conteúdos virais". Vídeos de pessoas a bater com a cabeça numa parede, um acidente brutal, um gatinho a saltar de uma bancada de cozinha e a cair dentro de uma panela com água quente, dois homens da construção civil a trabalhar de forma ignóbil (leia-se, provavelmente porque acharam que ao fazer esta figura parva estavam a ser engraçados) que acabaram por ser gozados como pessoas sem o mínimo sentido de realidade. Vale tudo!

 

Não se fica apenas pelos vídeos. Os títulos enganadores, os textos mal escritos, copiados, muitas vezes, são "valorizados" por quem lê. Tornam-se virais porque os "algoritmos" das redes sociais assim o definem. São os conteúdos que apelam ao "voyeurismo", o mesmo fenómeno que nos faz parar para ver um acidente, bloqueando o trânsito.

 

Torna-se viral porque os próprios media abdicaram de lutar pela qualidade. Foram atingidos pelo vírus e, eles próprios, na ânsia de conquistar mais cliques, ajudam a propagar estes conteúdos. Não estão a fazer um bom serviço. Nem a eles, nem ao público, que deveria ser educado com conteúdo de qualidade.

 

Do ponto de vista de gestão, muitos dirão que não compete aos media educar o público. Se querem ver novelas, a grelha das televisões enche-se de novelas. Com ou sem qualidade.

 

E isto sucede porque, em plena guerra contra o vírus, contra a desgraça e fim eminente de uma classe profissional, em vez de união, os media abatem-se uns aos outros. Um parelo com a série da FOX onde, os poucos humanos sobreviventes, os que ainda não se tornaram zombies, optam por se matar em vez de se unirem, pela sobrevivência da espécie.

 

Esta será, talvez, uma das séries mais parvas que existe, mas tem seguidores fiéis. Eu, pecador me confesso. Mais do que as cenas sanguinárias, existe na génese do argumento toda uma análise sociológica daquilo que somos como humanos.

O que sucederia se todos os grandes jornalistas, focando o tema em Portugal, se juntassem para fazer um projeto editorialmente forte, isento, sem ligações económicas ou políticas.

A cada episódio não espero nada mais do que ver Rick e o seu grupo estoirar a cabeça dos "walkers", mas anseio pelo desfecho sociológico. Pelas relações entre os humanos que, em situações de crise, pensam apenas em si e esquecem que, se unirem esforços, podem ser mais fortes. Lutam e desperdiçam alimentos. Lutam e morrem às mãos de pessoas que também fogem aos perigos. Fecham as portas a quem, desesperado, procura abrigo e refúgio. Não é assim tão longe da realidade. Quando vejo o que está a suceder com a crise dos refugiados sírios, imagino cenas ao estilo "The Walking Dead".

 

O mesmo se passa nos media portugueses. Não digo que isso aconteça ao nível dos jornalistas, dos poucos que ainda pensam a profissão, com rigor, deontologia, sentido de responsabilidade e respeito pelos leitores. Mas há muitos anos que sucede com quem decidiu que o jornalismo deveria servir os interesses de alguns e não a liberdade de expressão e a democracia.

 

Nas redações, pratica-se a auto-censura. Quase nem é necessário haver um diretor "mandado" a bloquear ou a encaminhar a escrita em determinado sentido. O sentido de salvação do lugar, do emprego, do salário precário ao final do mês, na maioria dos casos a recibos verdes, sobrepõe-se a tudo isto. Mesmo os históricos que ainda estão nas redações, sentem o peso da censura. Dali, só a reforma!

 

Nas redações também há profissionais exemplares, em todas elas, que não crescem. Muitos, os mais novos, sem a possibilidade de aprender com a memória de gerações anteriores. Crescem e potenciam este vírus. Sabem como entrar na corrente do algoritmo, muitas vezes sem pensar no erro.

 

Por essa razão, nas redações falta memória. Falta quem ensine às novas gerações como se faz jornalismo a sério. Esses "professores", que ensinam mais do que nas universidades, estão afastados. São os incómodos, os que questionam mas que, no fim do dia, também se mantêm de costas voltadas.

 

O que sucederia se todos os grandes jornalistas, focando o tema em Portugal, se juntassem para fazer um projeto editorialmente forte, isento, sem ligações económicas ou políticas. Sem diretores "nomeados", sem os prussianos que não se revoltam.

 

Alguém iria pagar para ler o que fosse publicado? Ou voltamos ao tema de base: vai ser um projeto dependente da publicidade. Dependente da decisão de quem investe e que pode, de alguma forma, influenciar negativamente as receitas que entram.

 

Ser jornalista é, acima de tudo, ser alguém com amor pela liberdade, com a responsabilidade sobre aquilo que escreve, que publica. Com obrigação de cruzar informações, confrontar e confirmar as fontes de informação. É alguém que deve saber conquistar e manter a credibilidade do seu nome perante quem o lê, vê, ouve!

 

Um jornalista não deve ter opinião? Deve, quando assina uma coluna e o assume dessa forma. Mas não deve emitir opinião, ou ocultar factos, quando escreve uma notícia. Há espaço para a opinião dos jornalistas, desde que seja claro para o leitor. Mas um jornalista é, supostamente, alguém informado, e para emitir opiniões deve ter sempre em conta os limites do bom senso. Afinal, escrever num jornal, num site credível, ou até num blogue, não é o mesmo que conversar com os amigos num café.

 

Não deve servir apenas para "passar a mensagem". Deve ser a sua opinião, como cidadão com acesso a informação e com o poder de chegar às pessoas.

 Quem sabe, com o tempo, com união profissional, se consiga voltar a dar ao jornalismo o lugar de destaque que ele merece.

A Internet não é a culpada do que se passa, os media não souberam, ainda, adaptar-se a este novo meio. Falta de visão, de lógica de gestão. De aposta na formação dos profissionais. Foi-se optando pelo mais simples, pelo que dava mais jeito, por enaltecer o "jornalismo do cidadão" (fico com arrepios só de escrever estas duas palavras, porque penso sempre na medicina do cidadão ou na arquitetura do cidadão) em vez de potenciar e fazer crescer os jornalistas.

  

Hoje em dia, as televisões passam os vídeos caseiros, os jornais publicam as fotos do público com o mesmo destaque que deveriam dar ao trabalho dos jornalistas. Os sites, as televisões, incentivam o envio de fotos e vídeos por parte dos utilizadores. User Generated Content. O termo é válido e, em casos como este, do granizo, ou dos atentados de bruxelas, pode ser mesmo crucial do ponto de vista informativo. Mas perde pelo que está na génese de uma reportagem.

 

Quem confirma que todas as fotos enviadas, os testemunhos escritos, enviados por email, são, realmente, do granizo que caiu nesse dia? Quem confirma que um email enviado com um depoimento do que "supostamente" viveu como testemunha durante os atentados de Bruxelas não de trata apenas de alguém que está sentado na cadeira ao lado da pessoa que o coloca em destaque?

 

Este conteúdo gerado pelos utilizadores tem o seu espaço, mas não deve susbstituir, nem sequer ser colocado no mesmo nível do trabalho jornalístico.

 

Pelo meio ouve-se muitas vezes que "a decisão de edição está entregue a miúdos que sabem qual o melhor título para dar cliques, mesmo que esse título diga tudo menos o que está escrito na notícia. Miúdos que não sabem distinguir informação de entretenimento".

 

Em parte, é verdade. A maioria dos jornalistas mais antigos (na casa dos 40 e poucos anos, e já são "os velhos", porque em Portugal envelhece-se depressa) resistiram à Internet. Lutaram pelo estatuto do papel. Abdicaram de se atualizar, de perceber as novas tecnologias. Tal como os títulos estão a entregar ao Google e Facebook o ouro, que são os conteúdos, os jornalistas deixaram nas mãos dos inexperientes a definição do jornalismo de Internet.

 

Os interesses económicos

Durante anos, os interesses de grupos económicos têm sido colocados acima de qualquer lógica de qualidade editorial ou jornalística. O cenário a que chegamos tem uma origem, e será fácil identificá-la. O poder dos media tem sido usado pelo poder económico como forma de dirigir interesses. Ao mesmo tempo que os jornalistas perdem força.

 

Aquilo que sucedeu com o Diário Económico, com a suspensão da edição impressa, será o menor dos males. É preciso pensar porque se permite que um projeto líder esteja em risco de fechar por más decisões de gestão. Por guerras accionistas. Li, em diversos comentários, que a culpa será também dos jornalistas. Sim, em parte sim, por não irem para o desemprego por fazer frente às questões de pressão, por não terem força nem união para combater aquilo que são as regras de uma profissão mal paga.

 

Será que se pode dizer que, mesmo perante o atual cenário, os jornalistas do Económico assumiram uma posição de união? Têm manifestado publicamente algumas posições mas,será que o estão a fazer apenas porque a administração já está fraca, sem o suporte da estrutura de lobby que manteve esta gestão e permitiu que chegasse até aqui?

 

A dúvida que muitos levantam é legítima: vale a pena manter a luta por uma empresa que está a entrar em insolvência? As alternativas não são muito melhores. O mercado não tem capacidade para absorver os 140 trabalhadores do Económico. Nem os cerca de 40 jornalistas irão conseguir trabalho. São poucas as empresas de media a contratar e, as que o fazem, estão a aproveitar recursos de topo com salários baixos e a recibos verdes.

 

Por isso, vamos todos andando neste mundo moribundo porque, enquanto houver quem ganhe dinheiro, o problema nunca será encarado de frente com união. Ainda existe uma réstia de esperança do lado de quem lê que começa a sentir falta da qualidade informativa. Quem sabe, com o tempo, com união profissional, se consiga voltar a dar ao jornalismo o lugar de destaque que ele merece.

 

A maior parte dos jornais em papel, pelo menos no que diz respeito a edições diárias, tende em fechar portas. Ouvem-se muitas queixas sobre o Correio da Manhã, mas é o jornal que mais vende em banca e será este, provavelmente, o último projeto a cair, se cair. E, se colocar-mos de lado o estilo tabloide, talvez seja o único jornal a fazer algum jornalismo de investigação em Portugal. Poderá ser levado à ruina se alguém tiver interesse em abafar as notícias publicadas. Se alguém surgir com 27 milhões de euros para comprar o jornal, tal como sucedeu com o Económico, ser líder poderá não ser garantia de nada.

 

Mas o papel será sempre (pelo menos nos próximos anos) uma fonte de credibilidade que a Internet ainda não tem. Compete aos jornalistas tornarem este meio mais credível, é aqui que estão as pessoas, é aqui que os futuros leitores acedem!

Deixar esse papel nas mãos das redes sociais será contribuir para o extermínio.

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