Voltamos à estratégia e necessidade de "estar" no Facebook. Na necessidade e na alegria que nos dá quando atingimos mais likes, ou mais "amigos", do que a concorrência. Ficamos eufóricos quando crescemos. Mas, na realidade, de que nos servem todos esses amigos?
O que conta, no final do dia, é o retorno obtido com essa estratégia. De que serve ter uma teia de amigos grande, mas sem ação? Como li recentemente num artigo, é um pouco como "ter um membro enorme, mas mole", que não serve para nada.
Quem anda pelo mundo digital sabe e conhece as formas de mascarar números. Sabe como chegar aos milhões de "amigos" no Bangladesh, na Ucrânia ou até mesmo em Portugal. Há empresas que se dedicam a vender tráfego e garantem acessos oriundos do país desejado. Mas isso vai corresponder exactamente a quanto em retorno?
Estratégia de compra de amigos serve, essencialmente, para aumentar o orgulho.
Uma marca pode ter milhões de seguidores que de nada servem quando chega o momento de concretizar. Podem ser "amigos" sem ligação absolutamente nenhuma ao que pretende divulgar, que vivem numa realidade diferente, sem poder de compra.
Só cai na teia quem quer ser comido pela aranha da grandeza aparente. As marcas, as empresas, os artistas, que querem medir o seu retorno real, fazem o caminho mais difícil. Mas também o que irá trazer mais frutos a médio prazo.
Esta reportagem, incluída no programa Toda a Verdade, coloca a descoberto o lado negro deste negócio das redes sociais. Do fanatismo, da importância de ter muitos "amigos" e "gostos".
Cristiano Ronaldo tem mais de 107 milhões de "gostos". Um deles sou eu. Não tenho forma de assegurar que muitos destes foram comprados mas olhando para os comentários da timeline de CR7 podemos encontrar muitos Adi Akash, Sugam Rayamajhi, Waleed Mohammad ou Akaash Neel Chanda.
Vendo aquilo que está exposto na reportagem em causa, será fácil perceber as vantagens destes 107 milhões numa figura como CR7, que vive também da imagem e da força comercial. É incontornável, Cristiano Ronaldo deve ser mais conhecido do que Elvis Presley, mas isso não invalida que na rede social haja uma estratégia agressiva para conquistar esta dimensão.
Gastando alguns euros é possível aumentar o número de gostos numa página de Facebook.
A reportagem não aborda, no entanto, o facto do Facebook e das outras redes sociais, terem, elas próprias, um negócio montado em torno da obtenção de "amigos" e "gostos". Mas, quando detetam que este tráfego é obtido através de sistemas pagos, externos, tratam de agir "legalmente", tal como referem nos seus termos e condições.
Creio que todos os que costumam navegar pelo Facebook já viram na sua timeline posts com a sigla "Patrocinado". Nestes casos, em que a rede social assegura um número de gostos estimado, de acordo com o valor e período do destaque, ficamos também sem perceber o motivo real que levou determinado utilizador a dizer que gosta da página.
Serão as interações regulares dos "amigos" aquilo que deve ter mais valor. São essas interações que permitem medir o real retorno da teia de amigos numa qualquer rede social.
Sempre que as televisões, os jornais, referem em notícia artistas, videoclips, ou determinado conteúdo que foi visto X milhões de vezes em Y dias, estamos perante este fenómeno de "marketing". Criam-se números falseados, "vendem-se" como notícia, e levam as pessoas a aceder e a criar tráfego, verdadeiro, mas nunca com os níveis que apresentaram no início. Afinal, se uma televisão diz que determinada página tem milhões em poucas horas, porque não vou lá espreitar? Já agora, não quero ser o único que não gosta disto e carrego no botãozinho. Não custa nada!
Cabe, também, aos jornais e jornalistas, em quem as pessoas confiam, fazer os devidos filtros para estas situações. Porque, no fim do dia, os milhões de visualizações, amigos, gostos comprados, só valem de alguma coisa se isso ajudar a trazer pessoas reais. Sem retorno, voltamos à frase do membro grande, mas mole, que não serve para nada.
Esta é uma estratégia seguida por muitas marcas, principalmente pelas que gostam de comparar o tamanho da sua teia de relações com a da concorrência, dando menos interesse ao negócio, propriamente dito.
O Facebook, tal como o Youtube ou Twitter, ou qualquer outra rede social, vivem de conteúdo disponibilizado gratuitamente pelos utilizadores. É a necessidade de ser famoso que faz o sucesso das redes sociais. Ainda há poucos dias li algures que antigamente as pessoas escreviam diários e ficavam possuídos se alguém os lia. Agora, expomos a nossa vida, as coisas mais íntimas no Facebook, e ficamos furiosos se ninguém vê ou comenta. São os sinais do tempo!
Os OCS também usam esta estratégia?
No caso de um órgao de comunicação social querer apostar numa estratégia deste género, as coisas ficam mais complicadas. Porque, lá está, teriam um retorno real baixo. Precisam de tráfego verdadeiro conquistado com notícias e conteúdo de qualidade, editorialmente relevantes, que envolvam as pessoas. Aplicar a regra da estratégia de compra de amigos, conseguindo entrar na boca do mundo, atraindo investimento publicitário também resulta. No entanto, tal como os responsáveis de marketing têm de apresentar resultados, os OCS terão de mostrar retorno aos anunciantes, a médio prazo, com valores reais.
Se em pouco tempo não conseguirem obter um valor real, o tráfego irá expor aquilo que na verdade valem para a audiência.
Se um anunciante investe num meio, na expectativa de chegar a um determinado número de utilizadores, que lêem as notícias desse OCS, que se traduz em tráfego, e se os números reais de acesso ao conteúdo, se as impressões dos banners publicitários, ficam abaixo do esperado, rapidamente retira a confiança a esse meio. É a regra do mercado.
Compete aos OCS distinguirem os acontecimentos merecedores de ser notícia, de ser referidos no seu espaço, daqueles que são meras fantochadas.
O Facebook sabe que, a curto prazo, precisa de conteúdo credível, os gatinhos como protagonistas vão continuar mas haverá um fim para esta euforia que gera milhões, em dinheiro e em tráfego. Por isso, estão a implementar estratégias para angariar conteúdo editorialmente mais relevante, como a tentativa de cativar jornais e jornalistas a publicar (gratuitamente) conteúdo diretamente na rede social através dos Instant Articles. Isto, provavelmente, em detrimento do tráfego angariado para os sites dos próprios jornais.
A credibilidade, a audiência real, é mais difícil de angariar do que um número grande em qualquer rede social. Por enquanto, o tamanho conta mais do que a prestação. Mas o conteúdo continua a ser o rei da história e, de forma ciclica, volta a ganhar o destaque merecido. Essa é uma das razões que faz com que, nos últimos dois anos tenha havido uma forte aposta no Content Marketing.
Chego ao final deste post com uma sensação: as redes sociais são más, estarei doido? Como é óbvio, as redes sociais podem ajudar bastante na estratégia de comunicação e divulgação de qualquer produto, marca, notícia, conteúdo. O que está aqui em causa é a aposta do investimento ser feito pela dimensão da teia de relações que, muitas vezes, na maior parte das vezes, nos casos mais sonantes, são falseadas com estratégias que, não sendo ilegais, correspondem pouco à realidade.
Como é óbvio, optando por uma aposta apenas pela dimensão de números irrealistas, os níveis de retorno são baixos e quem investe neste valor falseado, ressente-se bastante. O difícil será admiti-lo! Tal como é difícil deixar de lado a presença numa rede que mostra uma teia de relações com dimensão expressiva.
Há inúmeros casos de sucesso nas redes sociais. Mas que nasceram e cresceram por mérito próprio e sem recurso a manobras de ilusão.
Mas, a imagem que deixo abaixo fala por si.
A dimensão continua a ser sonante mas, é preciso não esquecer, quando chega o momento da verdade, o tamanho só terá valor quando acompanhado por uma boa prestação.
Em tempos de crise vinga a consistência e qualidade. Esta é uma afirmação que se pode adaptar a diversas situações e transversal aos sectores de actividade ou da nossa vida. Quando se aposta em qualidade, quando nos esforçamos para criar algo que perdure, as dificuldades são sempre superiores e muitos acabam por apostar num caminho mais fácil. Salvo raras excepções, que me possam estar a escapar, também mais frágil.
Quando falamos de conteúdo é igual, e se olharmos para o conteúdo como rei, colocando-o no lugar de destaque que merece, facilmente percebemos que é urgente separar o trigo do joio. Desde o início de 2014, com o despertar para a quebra dos formatos publicitários no digital, que as empresas, os marketeers, começaram a olhar para o conteúdo relevante como a ferramenta que pode salvar a comunicação e interlocução com os consumidores.
E, com a evolução dos tempos, há que traçar uma clara linha entre conteúdo e notícia. Apesar de já ter abordado o tema por diversas vezes, é algo que precisa de uma análise mais aprofundada.
É bom reforçar que isto é transversal a todos os meios mas uma verdade ainda mais absoluta quando se fala de digital. As pessoas estão permanentemente ligadas, atingidas por milhões de conteúdos diariamente, e a forma que as marcas têm de comunicar com o seu público-alvo, note-se, através da tradicional publicidade, está a perder força.
A forma como os utilizadores são "perseguidos" na Internet tem contribuído para o crescimentos dos bloqueadores de publicidade.
Os adblockers dos browsers, o total desfoque e despreso que os utilizadores dão aos espaços típicos de publicidade nos sites, têm levado a que surjam formatos mais agressivos e intrusivos. Mas, mais uma vez, isso tem-se revelado infrutífero com ROI's muito baixos e níveis de engagement quase inexistentes. E um badwill que as marcas preferem afastar da equação.
Além disso, os utilizadores começam a perceber, e não gostam, que estão a ser seguidos em tudo o que fazem na internet, seja no pc ou no telemóvel, através dos cookies dos site. E estes cookies não são apenas os relativos ao site, designados como first-party cookies - que dizem apenas respeito ao site onde os utilizadores navegam e, por norma, servem para questões de performance. Ou serviam.
O maior problema são os thir-party cookies, tracking realizado por terceiros, através da publicidade, que mapeiam e seguem o utilizador em tudo o que faz durante a navegação. É isso que faz com que, depois de uma pesquisa num site de viagens, por exemplo, passe a ver publicicidade relacionada com a viagem que procurou. E, acredite, este é o menor dos problemas!
Por isso, a solução poderá estar no regresso ao básico: a comunicação através do Content Marketing, do conteúdo relevante. Convém esclarecer, desde já, diferente de Native Advertising, termo usado tantas vezes de forma errada. Mas mais à frente será explicada esta diferença.
Com esta aposta no conteúdo (e o destaque da palavra relevante é crucial), pelo contrário, as marcas conseguem atingir os utilizadores que o procuram ou que se interessam pelo tema. A marca, que se associa a este conteúdo de forma suave, fugindo à tentação das tradicionais "publireportagens", ou advertorials, acabam por se assumir como as especialistas em determinada área, e registam níveis de Retorno de Investimento bastante superiores.
Mas, tal como tem sido apresentado por diversos estudos, realizados no mercado norte-americano, criar uma relação forte com os consumidores demora algum tempo. Não se pode estar à espera de publicar um conteúdo e criar relacionamentos para a vida. É preciso construir a relação, com base na confiança. Mostrar aos utilizadores, aos potenciais clientes, que o conteúdo, publicado de forma regular, os vais ajudar na sua vida.
Um bom conteúdo será lido, partilhado, comentado.
Deixo este exemplo, o um vídeo cujo título chega para prender a atenção: The first wireless bungee jump.
Deixo de fora o nome da marca que o patrocina, tentem perceber onde está a marca.
Este conteúdo pode ser criado nos departamentos de marketing das empresas?
Sim, pode. O exemplo do vídeo que acabaram de ver, será disso um exemplo. Mas, normalmente, estes departamentos estão muito mais focados numa comunicação voltada para a venda, hard-selling, muito mais próxima da publicidade do que do conteúdo relevante. Por essa razão o ideal será constituir equipas focadas no conteúdo. Uma mistura de criativos focados na venda, com especialistas em conteúdo.
Muitos podem estar a pensar: todas as empresas têm de se tornar especialistas na produção de conteúdo?
Não, como é óbvio. Por isso, aquilo que se tem visto no exemplo norte-americano, é o aparecimento de empresas dedicadas a criar e a produzir conteúdo para as marcas usarem nos seus sites ou blogs, potenciando a distribuição através das redes sociais. Deixando os departamentos de marketing fazerem aquilo que sabem fazer melhor. Estas empresas recorrem a jornalistas, especialistas e que sabem como escrever ou produzir conteúdo relevante para os utilizadores.
Fazem a ligação com os departamentos de marketing, que fazem o briefing dos objectivos que pretendem atingir, e deixam o trabalho de produção do conteúdo para os especialistas que decidem qual a melhor forma de o fazer.
O conteúdo é rei e será um aliado dos departamentos de marketing se usado da forma correcta
Mas, mais difícil do que criar conteúdo, é distribuí-lo. Quando se trata de vídeo, e como estamos a falar de online, o Youtube, as redes sociais, servem a grande maioria dos propósitos das marcas. Será suficiente?
Depende dos objetivos de cada conteúdo. Pegando no exemplo do vídeo da Ikea, apesar de continuar a ser válido, provavelmente o produto que pretenderam promover, e que surge no final do vídeo, pode já nem estar em circulação. O vídeo foi disponibilizado em junho de 2015. Só o vi agora!
Mesmo com mecanismos de SEO muito agressivos, uma grande parte dos potenciais clientes ficam sem acesso ao conteúdo. Quando se pretende atingir mais público, num espaço de tempo mais curto, é preciso apostar na divulgação do conteúdo nos principais meios de comunicação social, que chegam a milhares pessoas em poucas horas.
Foi desta forma que, em janeiro de 2014, o New York Times começou a apostar naquilo que se vulgarizou com o Content Marketing. O mercado olhou para os exemplos no NYT como um caminho a seguir e os marketeers começaram a apostar nesta "nova" forma de comunicar.
Estudos de 2014 demonstram que o caminho feito, apostando em conteúdo editorialmente relevante, dão frutos, atraem os utilizadores e potenciais consumidores.
Revela o NYT que os artigos mais editoriais geram mais 361% de visitantes, o tempo de visita subiu 526% tendo o nível de engagement das redes sociais crescido para níveis impensáveis: cerca de 1613% mais cliques em artigos editoriais no Facebook e 504% no Twitter.
Ou seja, os utilizadores procuram temas relevantes e fogem das publireportagens, que apresentam um cariz mais "hard selling".
Em Portugal, os meios, de forma geral, há muito que têm receita proveniente de "artigos pagos" mas com uma lógica de negócio pouco organizada. Coisas pontuais, que os jornais, sites e televisões dão resposta de forma reativa. E, na maior parte das vezes, por imposição de quem paga, opta-se pelas publireportagens em detrimento de conteúdo. O resultado, é comumente aceite por agências de meios e clientes, é mau. Os utilizadores sabem distinguir e fogem deste tipo de conteúdo pouco relevante.
Na imprensa, há muitos anos que os dossiers especiais, dedicados a áreas específicas como relógios, educação, café, banca (apenas para citar alguns exemplos), dão resposta a divulgação de empresas, marcas, através de conteúdo. Por isso, muitas vezes, surge a pergunta: porque razão parece que o Content Marketing é apresentado como novidade?
Logo à partida, porque é o caminho que o digital está a fazer. E é no digital que a força de investimento se está a concentrar. A facilidade de medir o ROI (Retorno do Investimento) tem colocado a nu a falha que os formatos de publicidade tradicionais têm.
A publicidade não tem futuro?
Claro que tem, e ninguém acredita que a publicidade, na forma como a conhecemos (e deixo de lado a discussão sobre formatos) vai desaparecer. Pelo menos é esta uma das leituras que se pode tirar dos gigantes que tentam dominar o negócio da publicidade.
É preciso estar atento à estratégia que aí vem, fruto da guerra de egos entre o Facebook, Google e Apple. Sim, além do servidor de publicidade do Google, o Facebook está a apostar forte na publicidade no conteúdo dos Instant Articles e a Apple, que praticamente domina no tráfego mobile (pelo menos no mercado norte-americano), também está apostada em rentabilizar e dar prioridade à publicidade distribuída na sua platafomra de publicidade: a iAd.
A Apple oferece a quem usar a sua plataforma de publicidade 70% de lucros, na publicidade angariada pela paltaforma, e 100% se a publicidade for angariada pelo departamento comercial do próprio site.
É uma guerra que levou a Apple a inlcuir no ios 9 a possibilidade de bloquear publicidade no Safari. Mas este bloqueador apenas atua em sites que não sirvam a publicidade através do iAd. Depois da morte anunciada das aplicações, fruto da aposta que os sites começaram a fazer no web responsive, permitido pelo html 5, esta é a resposta da Apple para manter, e fazer crescer, a sua estratégia. Afinal, os ad-blockers não funcionam nas aplicações do IOS.
2016 será o ano do Content Marketing em Portugal
As tendências demoram a chegar a este lado do Atlântico, em média cerca de dois anos, e por isso mesmo 2016 será um ano decisivo para o Content Marketing em Portugal. Os departamentos de marketing estão a ficar mais atentos ao crescimento dos resultados no mercado norte-americano e começam a reforçar a aposta feita em 2015 neste segmento. Mas há ainda um longo caminho a percorrer.
A componente mais difícil será fazer os marketeers perceberem que uma estratégia de conteúdos é o caminho certo para criar relações de confiança com os seus potenciais clientes, de forma a colocá-los no seu funil de vendas.
Um marketeer que trabalha para uma empresa de amendoins pode optar por dizer que os seus amendoins são os melhores do mercado, colocando a marca acima de qualquer outra coisa, ou criar conteúdo relevante, que demonstre os benfícios do consumo do amendoim, exibir vídeos, textos ou fotos, com conteúdo relevante, que atraia os consumidores que o vão associar aos melhores produtores de amendoim. No momento da compra, qual a marca que os consumidores vão escolher?
É claro que os conteúdos têm de fazer parte de toda uma estratégia de comunicação, incluindo a tradicional publicidade (de preferência feita de forma criativa e atraente). Mas num mundo globalizado e informatizado, onde todos estão ligados quase 24 horas por dia, comunicar através do conteúdo é crucial.
Por isso, este é o momento em que, definitivamente, é preciso dar ao conteúdo o seu merecido lugar. Mais do que deixar os departamentos de marketing contentes, fazendo as suas vontades, é preciso dar espaço ao Content Marketing, (Marketing de Conteúdo, em português).
Importante: Convém alertar que o salto de bungee jump sem fios foi encenado. Já o voo do SAPO, é real... tem é de estar preso senão foge.
O New York Times tem sido apresentado como o exemplo e um dos percursores do Content Marketing dos tempos modernos. Afinal, esta é uma das marcas mais antigas do jornalismo e, como todos os jornais, tem de ter cuidado com a credibilidade e deontologia.
Para conseguirem apostar neste mercado decidiram criar a T Brand Studio, uma redação independente da equipa editorial do jornal, que se dedica a escrever estes artigos patrocinados. Uns mais comerciais que outros mas sempre escritos por um jornalista, um profissional que sabe como escrever para chegar às pessoas de forma credível. Não podemos acreditar que, só porque alguém paga, o artigo tem menos credibilidade. E este é um dos maiores perigos para os jornalistas que aceitam escrever para uma marca. Colocam o seu nome em cima da mesa.
Mas o NYT tem isso também em conta e uma das regalias que oferece a quem paga é o critério editorial idêntico ao que é praticado pela redação do jornal. E é isso que as marcas compram. Para ter artigos escritos com uma linha puramente comercial, bastava continuarem a apostar nos advertorials, criados com uma visão de marketing, que pouco ou nada dizem aos leitores.
No caso do NYT a Dell foi o primeiro cliente da T Brand, com uma ação que teve a duração de três meses e para a qual, de acordo com as tabelas praticadas habitualmente pelo jornal, desembolsou um valor de seis dígitos. Este valor incluiu os artigos e banners.
Pelo preço, a Dell obteve espaço no topo do site e mais um destaque identificado como “paid post”, acima da linha de água. Ao clique remetia para o conteúdo patrocinado. A página do artigo, por sua vez, está também perfeitamente identificada como artigo patrocinado e, no caso da Dell, refere ainda que também foi publicado pela marca pagante.
No final da página ainda tem um disclaimer: "This page was produced by the Advertising Department of The New York Times in collaboration with Dell. The news and editorial staffs of The New York Times had no role in its preparation."
Uma das regalias que o NYT oferece a quem paga por conteúdo é o critério editorial idêntico ao que é praticado pela redação do jornal.
E os temas dos artigos, patrocinados pela Dell, são pacíficos. Completamente inóquos e com histórias atuais. Foi o início e tanto jornal como a marca patrocinadora avançaram com cautela.
No entanto, quem assina a peça é um jornalista freelancer, com nome na praça e com provas dadas no jornalismo. Perdeu a credibilidade por fazer este artigo? Não parece ser caso para isso.
Os disclaimers são necessários?
A dúvida que se levanta deste exemplo é: será realmente necessário tantos disclaimers? E negação da relação com a redação do jornal? No fundo, trata-se de conteúdo criado por jornalistas que foge ao tradicional advertorial. O que importa é haver transparência entre os artigos e o público que os lê.
No final do dia, os utilizadores querem ler artigos assentes em investigação jornalística, que contemplem informação relevante que os ajude a resolver qualquer problema que possuam. Seja um problema informático, seja um problema mais fútil como tratar de cabelo encaracolado ou com caspa.
O que não vale a pena é colocar um jornalista a dizer que determinado produto é muito bom (mesmo sendo) porque isso ultrapassa a tal linha que separa conteúdo de má publicidade. Porque, sejamos realistas, dizer que o produto é o maior do mercado é meio caminho andado para as pessoas olharem com desconfiança para a marca e para o conteúdo.
Se um marca não se sente confortável com esta relação jornalística, talvez não esteja preparada para apostar em conteúdo. Um exemplo claro: vamos imaginar que uma determinada empresa comercializa amendoins, com uma marca. E quer comunicar que o produto existe. Pode optar pelo tradicional anúncio; que refere o amendoim daquela marca é o melhor ou, por outro lado, pode optar por uma estratégia de conteúdos.
Criar uma série de artigos que referem as características saudáveis dos amendoins de forma genérica. Os benefícios para a saúde no consumo do produto, apresentando marca fora do conteúdo, aparecendo como patrocinadora do conteúdo; relacionando-se com os consumidores como um especialista.
Numa primeira abordagem, a visão dos marketeers tende a fugir para aquilo que estão habituados a fazer, publicidade!
Ao criar esta ligação com os consumidores, a marca está a colocá-los no tal funil de vendas que vai acabar numa conversão de compra. Sim, porque quando chegar a altura de comprar amendoins os consumidores vão lembrar-se que aquela marca associada ao conteúdo, é especialista, logo, a melhor a produzir amendoins.
Nesta relação as marcas devem estar preparadas para aceitar propostas de temas dos jornalistas e aceitar as suas opiniões, eles são os peritos e têm anos de experiência na profissão. Ou será que os marketeers, quando vão ao dentista, também dizem ao médico qual o instrumento que deve usar? E, remetendo ao exemplo anterior, convém apostar em quem sabe o que está a fazer. If you pay peanuts...
Porque, numa primeira abordagem, a visão dos marketeers tende a fugir para aquilo que estão habituados a fazer, publicidade!
O New York Times optou ainda por manter os artigos patrocinados no histórico e pesquisáveis, e com razão. Tratando-se de conteúdo que se quer relevante, faz todo o sentido manter os artigos ativos.
No entanto, não os partilha nas redes sociais do jornal nem sequer permite comentários nestes artigos, o que foge a uma das mais valias do conteúdo que é criar engagement com os utilizadores. E, quando se partilha um destes artigos, existe uma referencia clara na descrição ao facto de este ser um artigo patrocinado.
Esta política, apesar de ter sido tomada de forma a defender a credibilidade e deontologia da redação do jornal, também pode ter uma razão de ser. Criar nos leitores a habituação a uma marca de produção independente, apoiada na credibilidade do próprio jornal, permitindo combater alguma resistência que possa existir aos conteúdos patrocinados.