Ficou fascinado pelos olhos azuis do bichano? Mas o texto irá falar pouco, ou nada, sobre gatos.
Nos dias que correm, num panorama em que o conteúdo é a melhor "ferramenta" de uma estratégia de marketing, existe alguma confusão entre conteúdo e notícias. Os dois são assumidos como sendo exatamente a mesma coisa. Não são, e há muitas diferenças entre eles. Uma notícia pode ser considerado conteúdo mas conteúdo não é propriamente notícia. E, como derivado, uma notícia é composta por conteúdo selecionado de acordo com critérios editoriais, jornalísticos.
Principalmente quando se fala de digital, de internet, esta separação é crucial. Com a massificação da internet, das redes sociais, da partilha viral, o termo conteúdo começou a dominar o mundo dos media, da comunicação, do marketing. Evoluiu mais depressa do que o jornalismo, sem capacidade de se adequar e fazer frente à euforia do consumo e da usurpação permitida pela internet, pelas redes sociais.
Ao deixar-se enredar por este frenezim, os meios de comunicação social começaram, eles próprios, a dar relevância àquilo que se passa nas redes sociais. Ajudaram-nas a crescer, ficaram cegos pela velocidade e não tiveram capacidade de prever o futuro. O presente!
Os jornais, as televisões, os jornalistas, transformaram em notícia o conteúdo dos cidadãos, muitas vezes em detrimento das notícias produzidas pelos próprios jornalistas. Apareceu a expressão "jornalismo do cidadão", que, enquanto profissional, recuso. Tal como recuso a existência da medicina ou arquitectura popular, apenas para dar dois exemplos.
Os leitores são, pegando na ideia da história, os heróis, mas também os vilões. Ao recusarem pagar para ler notícias, aceitam tudo o que lhes entra pelas redes sociais.
Em qualquer uma das áreas há quem considere que tem valências para as praticar, e até conseguem colocá-las em prática, mas nunca se podem substituir aos profissionais treinados e com qualidade específica para os realizar. Nem os jornais e jornalistas devem divulgar esse conteúdo sem o tratamento devido.
Vamos ver uma coisa. Eu, por exemplo, sou capaz de erguer uma parede, de assentar chão, colocar azulejos, de aplicar um lambri, papel de parede ou pladur. Mas faço-o por gosto e nem me passa pela cabeça, pelo menos sem me formar e adquirir experiência nessa área, assumir-me como profissional e oferecer os meus serviços ao público. (Leia-se que não existe um curso superior para ladrilhador (há engenharias e arquiteturas), mas um período de aprendizagem mais aprofundado com alguém que já o faça, adoptando algumas regras, é essencial para poder assumir a responsabilidade).
Voltando ao conteúdo, podem surgir questões como: "não são válidos os vídeos que um cidadão coloca sobre neve, ou cheias na internet? Ou sobre os atentados de Nice?" São, com o devido filtro feito pelas redações e com limites. E, claro está, convém evitar as situações como a que levou recentemente um jornal a publicar uma foto de um suposto furacão na margem sul do Tejo. Afinal, a foto era uma montagem, feita por um internauta, e nunca foi verdade.
Ou, como sucedeu com o "atentado" de Nice, onde além de faltar o tal filtro editorial, colocou-se a nu o estado da profissão a nível global.
Feito este esclarecimento prévio, o óbvio! Conteúdo pode ser tudo, mesmo não sendo nada. Conteúdo pode ser um vídeo de um gatinho a lamber o próprio traseiro, ao mesmo tempo que arregala os olhos, ou um qualquer texto, mesmo que bem esgalhado, sobre qualquer assunto.
Notícia, é algo que deve estar restrito aos jornalistas, aos meios de comunicação social regulados e reconhecidos para o efeito. Obedece a regras deontológicas e de escrita e apenas existe para trazer ao público algo de novo, credível, trabalhado por profissionais.
Um jornalista jamais deve escrever qualquer peça de conteúdo falsa, levando a crer, hipoteticamente, que barrar o corpo com manteiga ou óleo vegetal serve para proteger dos raios nocivos do sol.
A narração de uma notícia de género jornalístico deve ser feita com exatidão, objetividade e imparcialidade. Deve ser destacada a veracidade dos factos, a clareza da linguagem e a objetividade do seu conteúdo.
Há lugar para ambos os modelos e podem mesmo conviver, no mesmo espaço. Mas, a confusão existe e tem vindo a agravar-se. A distinção podia ficar por aqui, pela rama, mas este texto precisa de ir mais fundo. Até porque é importante separar conteúdo de qualidade do chamado conteúdo viral.
O content marketing
Quem tem seguido o que escrevo neste blogue sabe que defendo a existência do content marketing como uma das soluções para os media cativarem investimento publicitário, essencialmente no digital. Porque, como se sabe, há já muitos anos que no papel existem os dossiers especiais sobre temas variados, patrocinados por marcas. Não fazer confusão com "news marketing".
E esta é "a" diferença entre notícia e conteúdo: uma notícia jamais deve responder a um patrocinador. No entanto, lembro o seguinte, se ninguém paga para ler jornais, sites de notícias, e se estes sobrevivem da publicidade, todas as notícias acabam por estar patrocinadas, indiretamente, pela publicidade existente junto a essas notícias.
E, vale sempre a pena reforçar esta ideia, o termo conteúdo patrocinado não precisa ser prejurativo porque, lá está, há conteúdo e há notícias. Acima disto tudo, deveria haver o nome e credibilidade do órgão de comunicação social, do jornalista, o respeito pela deontologia e regras do jornalismo.
Enquanto houver esta confusão de termos, a mistura de todas as coisas na internet, o jornalismo irá continuar em queda e as marcas pagam mais a um qualquer bloguer para escrever uma peça sem qualidade, desde que o blogue apresente uns números interessantes (não interessa como angariam o tráfego), do que pagam a um jornal com 100 anos de história no jornalismo.
Vamos esquecer a separação das coisas por um breve momento. Um jornalista, um profissional da comunicação, sabe que a melhor forma de chegar aos leitores é através de uma história envolvente, bem contada. Por isso, e de forma muito básica, uma notícia, por regra, respeita o formato da pirâmide invertida.
Saber escrever, contar uma história, seja na imprensa escrita, internet, rádio ou televisão (cada um dos meios com as suas especificidades) é aquilo que distingue uma boa peça de um post de blogue que, como já escrevi diversas vezes, regra geral, é uma espécie de diário digital onde os autores podem publicar qualquer coisa. Um desabafo ao estilo, "querido diário, hoje cruzei-me novamente com aqueles olhos castanhos. Mesmo estando um dia de outono, encoberto, o cabelo moreno parecia brilhar..."
Hoje em dia, ser jornalista é uma profissão com pouco mérito, atacada por quem lê.
Claro, mesmo aqui, aplica-se o conceito do contador de histórias, o tal Storytelling tão badalado no mundo do marketing e dos conteúdos. Mas, não se trata apenas de contar uma história, é preciso saber contá-la, saber como chegar aos leitores, como os envolver e os colocar como heróis da história que lêem. Porque, afinal, contar uma história todos conseguem. Contá-la de forma a cativar e envolver quem a lê ou ouve, já é outra conversa.
Por isso, acredito que tal como já sucedeu noutras áreas, com o tempo, e passado todo este "entusiasmo" dos números, dos milhões de páginas vistas, apresentados por alguns blogues, as marcas vão centrar as atenções na qualidade, na credibilidade, no nível de envolvimento que as histórias têm com o público que as lê e no retorno real do investimento feito.
Do lado dos jornais, é preciso saber assumir este espaço. Saber traçar bem aquilo que é conteúdo patrocinado, content marketing, feito pelos profissionais, do conteúdo noticioso. Saber dar aos leitores as histórias da melhor forma possível. Usar a credibilidade dos jornais e jornalistas para a produção de conteúdo de qualidade, sem cair na tentação do facilitismo da tradicional publireportagem (outro estilo, outras regras).
Como as coisas funcionam melhor com exemplos, aqui fica um: uma marca de produtos de proteção solar pode, por exemplo, patrocinar conteúdos sobre os perigos do sol, a necessidade de utilização de protetores solares, como devemos agir para nos protegermos, adultos e crianças. Sem, no entanto, ser referida uma única vez a marca no conteúdo. A marca poderá surgir nos espaços próprios, destinados à publicidade. Sim, para clareza, pode até haver a informação extra de que o conteúdo que está a ser lido foi patrocinado pela marca.
Agora, imaginem que todo este conteúdo, como se sabe que as pessoas estão mais atentas ao tema na altura do verão, é feito por decisão do jornal, do jornalista. É o facto de ninguém pagar pelo conteúdo que ele vai ter mais valor para o público?
Como é óbvio, vale a pena reforçar a questão da deontologia. Um jornalista jamais deve escrever qualquer peça de conteúdo falsa, levando a crer, hipoteticamente, que barrar o corpo com manteiga ou óleo vegetal serve para proteger dos raios nocivos do sol. Devem antes sustentar a informação com dados de especialistas, médicos, por exemplo. Dá para perceber a ideia?
A deontologia
Estou a escrever este artigo, que já tinha como rascunho há algum tempo, e chega-me uma nota do Sindicato dos Jornalistas a fazer um alerta com o seguinte título: "Nota do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas sobre publicidade e permeabilidade do jornalismo a conteúdos comerciais".
Sinceramente, desconheço se o Sindicato já discutiu alguma vez o tema do espaço de media ocupado por sites que mais nada fazem do que copiar o trabalho dos verdadeiros meios de comunicação social mas que, por terem melhores estratégias de comunicação e marketing, mostram bons números e acabam por desviar investimento publicitário.
O resultado é conhecido por todos os que vivem do negócio. O bolo publicitário é curto e quantos mais houver, menos cabe a cada um. E, como será fácil de calcular, se um meio que nada ou pouco investe para produzir uma notícia, optando pelo "picanço" de quem gasta na produção, consegue ganhar dinheiro com este conteúdo, com esta "notícia", o meio original ganha menos.
Nas discussões que tenho sobre o tema há sempre quem realce o óbvio: esses meios têm o mérito de fazer melhor divulgação, sabem usar melhor as redes sociais, etc. Claro, e eu respondo, e quando os meios originais, aqueles que sabem como produzir esse conteúdo, fecharem as portas? Onde vão os cábulas arranjar notícias para copiar?
O papel dos leitores
Os leitores não são inocentes neste processo. Os leitores são, pegando na ideia da história, os heróis, mas também os vilões. Ao recusarem pagar para ler notícias, aceitam tudo o que lhes entra pelas redes sociais, tomam como bom o conteúdo apresentado por sites com nomes desconhecidos e deixam de seguir e dar o merecido valor aos jornais com nome, com credibilidade.
Depois, como virgens ofendidas, colocam todos os jornalistas no mesmo saco, criticando, muitas vezes de forma ofensiva, toda uma classe profissional. Por isso, hoje em dia, ser jornalista é uma profissão com pouco mérito, atacada por quem lê. Serão poucos os que percebem que quanto mais lerem, de forma gratuita, criticarem os espaços de publicidade, usarem os tais bloqueadores de publicidade, cada vez irão ter menos qualidade, menos imprensa livre, menos democracia. Será que os leitores estão dispostos a pagar por conteúdo de qualidade?
Porque, afinal, os meios de comunicação social são um negócio e precisam de encontrar formas de ganhar dinheiro para pagar salário so jornalistas e outras pessoas essenciais para que as notícias cheguem aos leitores.
Já o tenho dito mas creio que vale a pena reforçar: quando lêem uma notícia, tal como lêem um livro ou ouvem uma música, sem pagar nada por ela, alguma vez pensam como os autores ganham dinheiro? Pensem nas vossas profissões, não acham justo ser remunerados pelo vosso trabalho?
Voltando à nota do Sindicato, é pouco clara em relação ao caso apresentado mas, depois de recordar a Lei de Imprensa, termina com a seguinte afirmação: "Mais, o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas alerta os jornalistas em geral para uma realidade que se tem consolidado nos órgãos de comunicação social que é o facto de haver contaminação de conteúdos e espaços jornalísticos por conteúdos publicitários ou comerciais".
Deduzo que, mediante o que se tem visto, da maior aposta dos anunciantes em conteúdo, com prejuízo da publicidade tradiconal, que o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas se refira ao content marketing. Que, recordo, tem sido a tábua de salvação de muitas redações. E pergunto, que medidas toma o Sindicato para tentar salvar os media?
A título de esclarecimento, a questão já seguiu para o Sindicato, aguarda-se resposta.
A decadência
Como jornalista, e com uma aposta na internet nos últimos 10 anos de profissão, custa-me ler os comentários das pessoas que ofendem, descredibilizam e colocam a profissão de jornalista num nível abaixo de lixo. Muitas vezes, feitos pelos mesmos que ofendem Cristiano Ronaldo e defendem Lionel Messi.
No entanto, seria bom que essas pessoas pessoas percebessem que a grande parte da responsabilidade pelo estado da profissão de jornalista é dos próprios leitores/consumidores de notícias. Ao privilegiarem "os Buzzfeed da vida" e assumirem estes meios como órgãos de comunicação social, estão a contribuir para o encerramento das redações a sério, para o despedimento de jornalistas seniores e contratação de pessoas que nada mais fazem do que "picar" notícias. Pessoas que publicam erros (e não falo apenas de erros ortográficos, muitas vezes existentes pela falta dos revisores), dão pontapés na deontologia. Mas, como já ouvi da boca de alguns dos mais altos responsáveis dos media em Portugal, "sabem mexer bem nas redes sociais".
Este é um tema que me apaixona, por razões óbvias, e poderia escrever sobre ele horas sem fim. Mas, para terminar, focando no tema que deu início a este texto, o Sindicato, tal como o jornalismo em geral, deveria adaptar-se a esta nova realidade que é a internet. Mais vale esclarecer as coisas com os leitores, deixar claro que há notícias e conteúdo e que pode até haver uma marca com interesse em divulgar determinado conteúdo, mas assegurando sempre a separação das notícias e o respeito pela deontologia.
E, já agora, lanço a pergunta, se choca assim tanto aos leitores o jornalismo ao estilo Correio da Manhã, porque continua esse jornal e televisão a liderar audiências?
Porque será que aquilo que se torna viral e é visto por milhões é o conteúdo voyeurista, violento?
Já o escrevi e repito: todos defendem a RTP2, mas ninguém vê. Todos criticam o "Big Brother" mas é o que mais se ouve comentar nos cafés.
Última nota sobre Nice
Estava de férias quando ocorreu o "atentado" de Nice. Vi, incrédulo, as mesmas imagens em quase todos os canais por onde fiz zapping no momento em que as televisões estavam todas a emitir em direto. Não foi apenas na CMTV que vi imagens de sangue, de corpos estrupiados, em direto, sem filtros.
Isto acontece pelo frenesim em que vivemos, pelos números das audiências. Mais uma vez, cabe aos leitores escolherem o que querem ver e, até agora, todos vêem o lhes passa no Facebook, clicam em imagens, em títulos apelativos, dão o tal clique a sites que ninguém conhece. Partilham, ajudam o algoritmo do Facebook a tornar o "conteúdo" viral. São livres de o fazerem, mas não acusem os jornalistas, pelo menos aqueles que ainda trabalham de forma digna.
Só quando o fizerem se evitam situações como as relatadas durante o atentado em Nice.
No dia seguinte, quando a campanha estava quase a terminar, foi reforçada com mais 3 euros. Dizia o Facebook que garantia um alcance maior do post. A campanha terminou, por isso, no dia 21 às 10h30 da manhã. Durante esse período, supostamente, o post teria um alcance de 1500 a 4000 pessoas, com o reforço poderia chegar às 6 mil. Ou seja, seria mostrado nos perfis deste intervalo de valores.
Tentei, em diversos computadores de colegas, ver o tal post patrocinado. Não consegui ver em nenhum, azar!
Ao longo do tempo fui monitorizando o desempenho da campanha, através das ferramentas que o próprio Facebook disponibiliza. E fiz prints.
Este Post complementa o anterior, onde refiro este caso, apenas para mostrar como foi possível o tráfego orgânico diminuir para menos de metade, de um dia para o outro e depois de reforçar a campanha com os tais 3 euros.
Deixo de seguida o desenrolar dos acontecimentos, o restante texto está aqui.
Como se pode ver, o tráfego orgânico chegava aos 264 perfis no dia 20 de janeiro.
No dia seguinte, depois de reforçar a campanha com mais 3 euros, o tráfego orgânico reduz para 96.
Às 15h29 de dia 21, o tráfego orgânico chegava às 131, já fora da campanha, mas mesmo assim, abaixo das 264 do dia anterior.
Pode ser que haja uma boa explicação, mais experiências haverá, para confirmar se será defeito ou feitio, da prática do Facebook.
De qualquer forma, voltando à escala do investimento, em mais de 13 mil pessoas a quem supostamente foi apresentado o conteúdo em questão, apenas 803 interagiram de alguma forma com ele.
Mas, as dúvidas vão mais além. Pegando num exemplo de um vídeo, que, de acordo com o analytics do Facebook teve um alcance de 25.810 perfis, ou seja, foi mostrado na timeline de quase 26 mil pessoas, apenas regista 176 visualizações.
Vejamos o seguinte, trata-se de um vídeo que toca automaticamente, quando é mostrado no ecran, mesmo tendo em conta que nem toda a gente deixou tocar o vídeo até ao final, mesmo considerando que em mobile o vídeo pode não tocar automaticamente. Os rácios são muito baixos.
Como se verifica na imagem seguinte, a conclusão média de visualizações é de 100 por cento e contabiliza visualização desde que sejam vistos, pelo menos, 3 segundos do vídeo.
Estas são algumas das dúvidas que os responsáveis de marketing colocam (ou deviam colocar) quando investem e analisam os resultados do dinheiro colocado nas redes sociais.
Voltamos à estratégia e necessidade de "estar" no Facebook. Na necessidade e na alegria que nos dá quando atingimos mais likes, ou mais "amigos", do que a concorrência. Ficamos eufóricos quando crescemos. Mas, na realidade, de que nos servem todos esses amigos?
O que conta, no final do dia, é o retorno obtido com essa estratégia. De que serve ter uma teia de amigos grande, mas sem ação? Como li recentemente num artigo, é um pouco como "ter um membro enorme, mas mole", que não serve para nada.
Quem anda pelo mundo digital sabe e conhece as formas de mascarar números. Sabe como chegar aos milhões de "amigos" no Bangladesh, na Ucrânia ou até mesmo em Portugal. Há empresas que se dedicam a vender tráfego e garantem acessos oriundos do país desejado. Mas isso vai corresponder exactamente a quanto em retorno?
Estratégia de compra de amigos serve, essencialmente, para aumentar o orgulho.
Uma marca pode ter milhões de seguidores que de nada servem quando chega o momento de concretizar. Podem ser "amigos" sem ligação absolutamente nenhuma ao que pretende divulgar, que vivem numa realidade diferente, sem poder de compra.
Só cai na teia quem quer ser comido pela aranha da grandeza aparente. As marcas, as empresas, os artistas, que querem medir o seu retorno real, fazem o caminho mais difícil. Mas também o que irá trazer mais frutos a médio prazo.
Esta reportagem, incluída no programa Toda a Verdade, coloca a descoberto o lado negro deste negócio das redes sociais. Do fanatismo, da importância de ter muitos "amigos" e "gostos".
Cristiano Ronaldo tem mais de 107 milhões de "gostos". Um deles sou eu. Não tenho forma de assegurar que muitos destes foram comprados mas olhando para os comentários da timeline de CR7 podemos encontrar muitos Adi Akash, Sugam Rayamajhi, Waleed Mohammad ou Akaash Neel Chanda.
Vendo aquilo que está exposto na reportagem em causa, será fácil perceber as vantagens destes 107 milhões numa figura como CR7, que vive também da imagem e da força comercial. É incontornável, Cristiano Ronaldo deve ser mais conhecido do que Elvis Presley, mas isso não invalida que na rede social haja uma estratégia agressiva para conquistar esta dimensão.
Gastando alguns euros é possível aumentar o número de gostos numa página de Facebook.
A reportagem não aborda, no entanto, o facto do Facebook e das outras redes sociais, terem, elas próprias, um negócio montado em torno da obtenção de "amigos" e "gostos". Mas, quando detetam que este tráfego é obtido através de sistemas pagos, externos, tratam de agir "legalmente", tal como referem nos seus termos e condições.
Creio que todos os que costumam navegar pelo Facebook já viram na sua timeline posts com a sigla "Patrocinado". Nestes casos, em que a rede social assegura um número de gostos estimado, de acordo com o valor e período do destaque, ficamos também sem perceber o motivo real que levou determinado utilizador a dizer que gosta da página.
Serão as interações regulares dos "amigos" aquilo que deve ter mais valor. São essas interações que permitem medir o real retorno da teia de amigos numa qualquer rede social.
Sempre que as televisões, os jornais, referem em notícia artistas, videoclips, ou determinado conteúdo que foi visto X milhões de vezes em Y dias, estamos perante este fenómeno de "marketing". Criam-se números falseados, "vendem-se" como notícia, e levam as pessoas a aceder e a criar tráfego, verdadeiro, mas nunca com os níveis que apresentaram no início. Afinal, se uma televisão diz que determinada página tem milhões em poucas horas, porque não vou lá espreitar? Já agora, não quero ser o único que não gosta disto e carrego no botãozinho. Não custa nada!
Cabe, também, aos jornais e jornalistas, em quem as pessoas confiam, fazer os devidos filtros para estas situações. Porque, no fim do dia, os milhões de visualizações, amigos, gostos comprados, só valem de alguma coisa se isso ajudar a trazer pessoas reais. Sem retorno, voltamos à frase do membro grande, mas mole, que não serve para nada.
Esta é uma estratégia seguida por muitas marcas, principalmente pelas que gostam de comparar o tamanho da sua teia de relações com a da concorrência, dando menos interesse ao negócio, propriamente dito.
O Facebook, tal como o Youtube ou Twitter, ou qualquer outra rede social, vivem de conteúdo disponibilizado gratuitamente pelos utilizadores. É a necessidade de ser famoso que faz o sucesso das redes sociais. Ainda há poucos dias li algures que antigamente as pessoas escreviam diários e ficavam possuídos se alguém os lia. Agora, expomos a nossa vida, as coisas mais íntimas no Facebook, e ficamos furiosos se ninguém vê ou comenta. São os sinais do tempo!
Os OCS também usam esta estratégia?
No caso de um órgao de comunicação social querer apostar numa estratégia deste género, as coisas ficam mais complicadas. Porque, lá está, teriam um retorno real baixo. Precisam de tráfego verdadeiro conquistado com notícias e conteúdo de qualidade, editorialmente relevantes, que envolvam as pessoas. Aplicar a regra da estratégia de compra de amigos, conseguindo entrar na boca do mundo, atraindo investimento publicitário também resulta. No entanto, tal como os responsáveis de marketing têm de apresentar resultados, os OCS terão de mostrar retorno aos anunciantes, a médio prazo, com valores reais.
Se em pouco tempo não conseguirem obter um valor real, o tráfego irá expor aquilo que na verdade valem para a audiência.
Se um anunciante investe num meio, na expectativa de chegar a um determinado número de utilizadores, que lêem as notícias desse OCS, que se traduz em tráfego, e se os números reais de acesso ao conteúdo, se as impressões dos banners publicitários, ficam abaixo do esperado, rapidamente retira a confiança a esse meio. É a regra do mercado.
Compete aos OCS distinguirem os acontecimentos merecedores de ser notícia, de ser referidos no seu espaço, daqueles que são meras fantochadas.
O Facebook sabe que, a curto prazo, precisa de conteúdo credível, os gatinhos como protagonistas vão continuar mas haverá um fim para esta euforia que gera milhões, em dinheiro e em tráfego. Por isso, estão a implementar estratégias para angariar conteúdo editorialmente mais relevante, como a tentativa de cativar jornais e jornalistas a publicar (gratuitamente) conteúdo diretamente na rede social através dos Instant Articles. Isto, provavelmente, em detrimento do tráfego angariado para os sites dos próprios jornais.
A credibilidade, a audiência real, é mais difícil de angariar do que um número grande em qualquer rede social. Por enquanto, o tamanho conta mais do que a prestação. Mas o conteúdo continua a ser o rei da história e, de forma ciclica, volta a ganhar o destaque merecido. Essa é uma das razões que faz com que, nos últimos dois anos tenha havido uma forte aposta no Content Marketing.
Chego ao final deste post com uma sensação: as redes sociais são más, estarei doido? Como é óbvio, as redes sociais podem ajudar bastante na estratégia de comunicação e divulgação de qualquer produto, marca, notícia, conteúdo. O que está aqui em causa é a aposta do investimento ser feito pela dimensão da teia de relações que, muitas vezes, na maior parte das vezes, nos casos mais sonantes, são falseadas com estratégias que, não sendo ilegais, correspondem pouco à realidade.
Como é óbvio, optando por uma aposta apenas pela dimensão de números irrealistas, os níveis de retorno são baixos e quem investe neste valor falseado, ressente-se bastante. O difícil será admiti-lo! Tal como é difícil deixar de lado a presença numa rede que mostra uma teia de relações com dimensão expressiva.
Há inúmeros casos de sucesso nas redes sociais. Mas que nasceram e cresceram por mérito próprio e sem recurso a manobras de ilusão.
Mas, a imagem que deixo abaixo fala por si.
A dimensão continua a ser sonante mas, é preciso não esquecer, quando chega o momento da verdade, o tamanho só terá valor quando acompanhado por uma boa prestação.
O conteúdo está na moda. Não nasceu agora, as pessoas sempre consumiram, mas agora vive-se um momento especial. Os media, imagine-se, querem ganhar dinheiro. Precisam de ganhar dinheiro. A pergunta que se impõe é: como?
A resposta ainda está a ser definida a nível mundial e é graças a esta globalidade, potenciada pela evolução e forte crescimento da Internet, que em Portugal os media vivem tempos complicados.
O tempo dos ardinas já lá vai e, atualmente, nem sempre é o produtor original do conteúdo a ganhar com o seu trabalho. O plágio abunda e o consumidor pouco se importa onde lê, vê ou ouve o conteúdo. Ganha quem tiver nas mãos a melhor forma de fazer chegar o conteúdo aos consumidores. De forma legal, ou não!
Isto é verdade para os filmes pirata, uma série de televisão sacada, ou um artigo de jornal. Isto terá um fim à vista.
É preciso não esquecer que à medida que os produtores originais perdem capacidade de pagar a produção, porque não têm retorno, o conteúdo deixará de existir. Os “cábulas” deixarão de ter onde ir copiar e os consumidores ficarão sem acesso a conteúdo de qualidade. Parece óbvio.
Mesmo os grandes players de televisão terão de se adaptar aos novos formatos de negócio como é o caso do Netflix que têm vindo a revolucionar o mundo da televisão. Os consumidores sabem bem o que querem e sabem que não vêem 140 canais. Não há tempo. Mesmo com as possibilidades de gravação, de andar para trás nas emissões, o serão é curto e é dedicado a ver as séries ou filmes de eleição.
Se for feita uma pesquisa, (acredito que as grandes redes de distribuição já o fizeram), será seguro dizer que mais de 90 por cento dos clientes das redes de cabo em Portugal desconhece a totalidade dos canais que tem no seu serviço ou, pelo menos, nunca por lá passou. Sabe de cor os canais de preferência e é para lá que vai quando liga a TV. Ninguém faz zapping de 80 canais (para chegar às séries), quanto mais de 140.
É por esta razão que, além da Netflix, e de outros serviços idênticos, há grandes empresas mundiais a apostar em conteúdo original para “oferecer” aos seus clientes.
A Amazon, por exemplo, insuspeita neste mundo dos conteúdos, está a apostar forte na produção, ao contrário do Netflix que não tem produção própria, apenas adquire direitos.
A solução poderá estar do lado dos consumidores. Preferem pagar mais e comprar um produto de confiança ou pagar preço de saldo, ou nada, e consumir algo que não sabem bem qual o impacto na saúde?
O Facebook teve das melhores estratégias já vistas até hoje. Conseguiu que as maiores marcas publicitassem a plataforma gratuitamente, contribuindo fortemente para o crescimento que a rede social teve em poucos anos. Aproveitando o conteúdo produzido por terceiros, tem agora capacidade financeira, e argumentos de audiência, para fazer uma investida mais forte nos conteúdos. Mas apostam em parcerias com grandes marcas de media, produtores de conteúdo, para criar habituação no seu público alvo. O que irá suceder no futuro?
A imprensa
Apesar de ser para o vídeo que, atualmente, os olhares estão voltados, principalmente no que respeita ao entretenimento, este problema dos conteúdos atinge mais fortemente os projetos editoriais. Jornais e revistas, um pouco por todo o mundo, lutam para conseguir vender exemplares suficientes para justificar os investimentos publicitários. Há muito que o preço de capa é insuficiente para pagar os ordenados e os meios de comunicação social dependem da sazonalidade da publicidade. E, neste momento, com a euforia do vídeo, precisam de investir mais para ter uma oferta multimedia.
A aposta feita na Internet, criando sites para divulgar o seu conteúdo, foi uma boa estratégia mas, como se sabe, ninguém paga para ver conteúdos online. Mesmo os jornais que optaram por “fechar” os conteúdos, criando contas premium, deram o ouro ao bandido.
Nunca é demais lembrar, ninguém quer pagar para ler conteúdo. Na verdade, há milhões que recusam pagar para ver filmes e séries e recorrem à pirataria. Há anos que a música que se ouve é “roubada”.
Apesar de haver esta consciencialização, ainda falta o despertar. Para se ter boas ideias é preciso estar bem alimentado e ter as contas pagas.
A Internet aproximou as pessoas do conteúdo mas também contribuiu para baixar a fasquia da qualidade. Nem tudo o que a Internet tem é credível ou tem qualidade. Um blog é um blog, um site de um jornal credível é outra coisa. Por isso, o nome e credibilidade de quem escreve deve ter um peso grande nesta equação.
Mas o que sucedeu nos últimos anos, porque se paga pouco para produzir conteúdo, é um constante descrédito dos media por recorrerem a mão de obra barata. Estagiários que, muitas vezes, publicam, como sendo informação credível, conteúdo divulgado pelos cidadãos. Sem edição. O jornalismo tem regras e elas têm de ser cumpridas. Mas isso tem um custo e os consumidores acham o preço demasiado alto.
A solução poderá estar do lado dos consumidores. Preferem pagar mais e comprar um produto de confiança ou pagar preço de saldo, ou nada, e consumir algo que não sabem bem qual o impacto na saúde?
Por mais teses que se possam redigir sobre “como ganhar dinheiro”, a fórmula é simples: tal como quando se vai ao supermercado e se compra um pacote de batatas, que pode custar mais ou menos, quando se produz conteúdo o objetivo é o mesmo. Quem produz quer ter lucro, quem consome, deve pagar.
Só desta forma se pode exigir qualidade e manter alta a fasquia dos conteúdos.
Será isto que vai ajudar a distinguir o trigo do joio. Porque ter milhões de page views num vídeo de gatinhos, ou de um vídeo de uma câmera de segurança com uma qualquer cena voyerista caricata, pouco, ou nada, contribui para a qualidade e cultura de um povo. É preciso deixar de valorizar uma boa política de divulgação em detrimento de bom conteúdo. Viral nem sempre, quase nunca, é sinónimo de qualidade!
O New York Times tem sido apresentado como o exemplo e um dos percursores do Content Marketing dos tempos modernos. Afinal, esta é uma das marcas mais antigas do jornalismo e, como todos os jornais, tem de ter cuidado com a credibilidade e deontologia.
Para conseguirem apostar neste mercado decidiram criar a T Brand Studio, uma redação independente da equipa editorial do jornal, que se dedica a escrever estes artigos patrocinados. Uns mais comerciais que outros mas sempre escritos por um jornalista, um profissional que sabe como escrever para chegar às pessoas de forma credível. Não podemos acreditar que, só porque alguém paga, o artigo tem menos credibilidade. E este é um dos maiores perigos para os jornalistas que aceitam escrever para uma marca. Colocam o seu nome em cima da mesa.
Mas o NYT tem isso também em conta e uma das regalias que oferece a quem paga é o critério editorial idêntico ao que é praticado pela redação do jornal. E é isso que as marcas compram. Para ter artigos escritos com uma linha puramente comercial, bastava continuarem a apostar nos advertorials, criados com uma visão de marketing, que pouco ou nada dizem aos leitores.
No caso do NYT a Dell foi o primeiro cliente da T Brand, com uma ação que teve a duração de três meses e para a qual, de acordo com as tabelas praticadas habitualmente pelo jornal, desembolsou um valor de seis dígitos. Este valor incluiu os artigos e banners.
Pelo preço, a Dell obteve espaço no topo do site e mais um destaque identificado como “paid post”, acima da linha de água. Ao clique remetia para o conteúdo patrocinado. A página do artigo, por sua vez, está também perfeitamente identificada como artigo patrocinado e, no caso da Dell, refere ainda que também foi publicado pela marca pagante.
No final da página ainda tem um disclaimer: "This page was produced by the Advertising Department of The New York Times in collaboration with Dell. The news and editorial staffs of The New York Times had no role in its preparation."
Uma das regalias que o NYT oferece a quem paga por conteúdo é o critério editorial idêntico ao que é praticado pela redação do jornal.
E os temas dos artigos, patrocinados pela Dell, são pacíficos. Completamente inóquos e com histórias atuais. Foi o início e tanto jornal como a marca patrocinadora avançaram com cautela.
No entanto, quem assina a peça é um jornalista freelancer, com nome na praça e com provas dadas no jornalismo. Perdeu a credibilidade por fazer este artigo? Não parece ser caso para isso.
Os disclaimers são necessários?
A dúvida que se levanta deste exemplo é: será realmente necessário tantos disclaimers? E negação da relação com a redação do jornal? No fundo, trata-se de conteúdo criado por jornalistas que foge ao tradicional advertorial. O que importa é haver transparência entre os artigos e o público que os lê.
No final do dia, os utilizadores querem ler artigos assentes em investigação jornalística, que contemplem informação relevante que os ajude a resolver qualquer problema que possuam. Seja um problema informático, seja um problema mais fútil como tratar de cabelo encaracolado ou com caspa.
O que não vale a pena é colocar um jornalista a dizer que determinado produto é muito bom (mesmo sendo) porque isso ultrapassa a tal linha que separa conteúdo de má publicidade. Porque, sejamos realistas, dizer que o produto é o maior do mercado é meio caminho andado para as pessoas olharem com desconfiança para a marca e para o conteúdo.
Se um marca não se sente confortável com esta relação jornalística, talvez não esteja preparada para apostar em conteúdo. Um exemplo claro: vamos imaginar que uma determinada empresa comercializa amendoins, com uma marca. E quer comunicar que o produto existe. Pode optar pelo tradicional anúncio; que refere o amendoim daquela marca é o melhor ou, por outro lado, pode optar por uma estratégia de conteúdos.
Criar uma série de artigos que referem as características saudáveis dos amendoins de forma genérica. Os benefícios para a saúde no consumo do produto, apresentando marca fora do conteúdo, aparecendo como patrocinadora do conteúdo; relacionando-se com os consumidores como um especialista.
Numa primeira abordagem, a visão dos marketeers tende a fugir para aquilo que estão habituados a fazer, publicidade!
Ao criar esta ligação com os consumidores, a marca está a colocá-los no tal funil de vendas que vai acabar numa conversão de compra. Sim, porque quando chegar a altura de comprar amendoins os consumidores vão lembrar-se que aquela marca associada ao conteúdo, é especialista, logo, a melhor a produzir amendoins.
Nesta relação as marcas devem estar preparadas para aceitar propostas de temas dos jornalistas e aceitar as suas opiniões, eles são os peritos e têm anos de experiência na profissão. Ou será que os marketeers, quando vão ao dentista, também dizem ao médico qual o instrumento que deve usar? E, remetendo ao exemplo anterior, convém apostar em quem sabe o que está a fazer. If you pay peanuts...
Porque, numa primeira abordagem, a visão dos marketeers tende a fugir para aquilo que estão habituados a fazer, publicidade!
O New York Times optou ainda por manter os artigos patrocinados no histórico e pesquisáveis, e com razão. Tratando-se de conteúdo que se quer relevante, faz todo o sentido manter os artigos ativos.
No entanto, não os partilha nas redes sociais do jornal nem sequer permite comentários nestes artigos, o que foge a uma das mais valias do conteúdo que é criar engagement com os utilizadores. E, quando se partilha um destes artigos, existe uma referencia clara na descrição ao facto de este ser um artigo patrocinado.
Esta política, apesar de ter sido tomada de forma a defender a credibilidade e deontologia da redação do jornal, também pode ter uma razão de ser. Criar nos leitores a habituação a uma marca de produção independente, apoiada na credibilidade do próprio jornal, permitindo combater alguma resistência que possa existir aos conteúdos patrocinados.