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O Estado é a solução para resolver o estado do jornalismo?

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Não. O Estado, ao contrário do que questiona, com reservas, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, não é a solução para salvar o jornalismo. É, até, perigoso. O próprio exemplo que o Presidente apresenta (o porte pago) para a imprensa regional, é um dos factos que sustentam esta minha posição. Existe uma enorme dependência do jornalismo regional dos poderes políticos locais.

 

E, obviamente, olhando para aquilo que está a suceder por esse mundo fora, a mão do Estado no jornalismo corre o sério risco de ficar demasiado pesada para a Liberdade de Imprensa e Democracia.

 

Há muitos que continuam a culpar a estratégia da gratuitidade do jornalismo no online. Talvez seja errado e presunçoso afirmar que não. Mas o contrário também é verdade. O maior perigo está no mesmo local onde se poderá encontrar a solução: nos jornalistas.

 

Já o afirmo há muito, acompanhei, desde o início, a euforia que se viveu em Portugal, por dentro, e lá fora, pelo que se foi lendo e visto. O problema maior esteve sempre do lado dos jornalistas que se colocaram à margem do desenvolvimento. Permitiram que as coisas evoluíssem sem a sua intervenção. É um pouco semelhante às pessoas que se recusam a ir votar por discordarem das políticas. Esquecem-se que estão a abdicar do maior poder que o 25 de Abril trouxe a Portugal: o direito a intervir, votar, a contribuir para a escolha e para a solução.

 

Deixar nas mãos (e no voto) dos outros a decisão, retira-nos o poder de queixume tardio. Tal como escreve no Público a minha colega  de curso, Sónia Sapage, "o quarto poder está frustrado, como antevia, em livro, o meu (nosso) antigo professor de Teoria da Notícia Nelson Traquina". Obviamente, concordo. O jornalista não trabalha de graça!

 

Mas eu recordo que, durante o mesmo curso, o professor de Mutação dos Media, Pinto Balsemão, já falava nessa época do jornalista de aeroporto, com capacidade de fazer texto, fotos e vídeo. Foi isso que fiz desde que entrei no mundo da Internet, em 2003. Tracei caminhos, fiz descobertas, passei conhecimento e fui, com consciência, criticado por ceder a esse modo de trabalho. Referindo novamente Rafael Bordalo Pinheiro, a Retórica Parlamentar serve de pouco. É preciso agir.

 

Afinal, diziam alguns quando me viam chegar a uma conferência de imprensa ou em reportagem com tripé, câmara de vídeo e fotografia, microfones, computador para fazer diretos, "estás a roubar o trabalho dos camaradas". Não era assim, não é assim! É preciso adaptar, evoluir e lutar para que o jornalismo se mantenha, na sua essência. Ficar de fora desta evolução é viver na pré-história e esquecer que o problema pode estar antes no formato comumente aceite há anos, com o controlo dos media por grandes grupos económicos.

 

O próprio Público, como se sabe, é deficitário e só a vontade de Belmiro de Azevedo o manteve durante tantos anos. Será que os herdeiros terão a mesma vontade de continuar a sustentar um projeto deficitário (que para eles, empresários, é visto como produto)?

 

O Jornalismo tem de ser dos jornalistas. Independente de poderes de qualquer tipo. Um dia, porque tenho o projeto em espera, talvez seja a altura de colocar em livro muito do que vi nos últimos anos. A forma ligeira como se "abatem" jornalistas e projetos, ou promovem outros e se mantém nas direções sempre os mesmos. Porque será?

 

Mas o foco hoje está na preocupação de Marcelo Rebelo de Sousa. Legítima e sustentada no mesmo dia em que jornais de referência fizeram eco daquilo que é uma verdadeira ameaça ao jornalismo.

 

Os jornalistas permitiram estar a concorrer no mesmo espaço com Youtubers, sites de mentiras (porque recuso juntar na mesma designação mentira e notícia, são palavras incompatíveis).

 

Os jornalistas viram, ao longo dos anos, o camarada do lado ser perseguido e afastaram-se dele como se tivesse lepra. Assistiram, com medo, à limpeza que tem sido feita no jornalismo. E continua. E, quando digo isto, é com a consciência que cada um, no final do mês, precisa de pagar as faturas, alimentar os filhos (que já tiveram tarde porque um jornalista não tem horários e ganha uma miséria). A mim, tentaram despedir-me por fazer frente às pessoas que decidiam no jornal onde estava porque estavam a falhar o pagamento de salários a duas estagiárias. Obviamente, a razão estava do meu lado, fui perseguido, ameaçado, tentaram de tudo e ninguém se impôs para me defender. Obviamente, venci, saí, mas indemnizado. Chegou? Não, porque estas injustiças não têm preço, mas é melhor do que nada. Quem o fez, o protagonista desta atrocidade contra a Liberdade e direitos, dirige atualmente um dos principais jornais portugueses.

 

Mas, então, onde está o Quarto Poder? Perdeu-se, poderão dizer; está aí, afirmo com toda a certeza e confiança na qualidade dos jornalistas que ainda querem resistir, mas precisam do seu salário.

 

A solução ainda virá, o medo que os jornais fizeram ecoar por causa do Artigo 11 e Artigo 13, e que se debruça sobre os direitos de autor, deve ser olhado com atenção. O problema não está em amplificar os receios de um youtuber que, atiçado pelo Google, aproveita o poder que tem para lançar o pânico. Não, a Internet não vai acabar, a mama, sim!

 

E como citei a minha colega Sónia Sapage, volto a pegar no título dela "Queres Fiado? Toma". para dizer que aqui não se trata de fiar. O problema não está se é ou não gratuito, está na falta de confiança que os leitores têm no jornalismo, no total descrédito dos jornalistas. Porque, afinal, aquilo que vivemos hoje com a Internet é que navegamos diariamente numa grande lixeira. Todos e cada um de nós encontra lá algo que diz ser útil em determinado momento.

 

Mas já e tempo de remover o lixo, filtrar, deitar fora o que não presta, queimar, reciclar. Nessa altura, no lugar onde está a lixeira, haverá espaço para nascerem novas ideias, válidas e que geram receitas aos seus criadores.

 

Para quem ainda não percebeu, o Youtube enviou emails a dizer que os canais correm o risco de encerrar por causa dos direitos de autor. Não, não será isso que vai acontecer. O problema é que a Google terá de pagar o devido valor pelos milhões que tem ganho com o trabalho dos outros, a custo zero.

Nota final: Apostei numa ideia, o Faktual.pt é um projecto que pretendo seja de todos os jornalistas, que ajudem a fazê-lo crescer, que o tornem num projecto que seja capaz de gerar salários dignos. Não fiz tudo, apenas coloquei em prática aquilo que está ao meu alcance. O meu contributo, também financeiro, e apelo à união. Se recusei propostas de investidores interessados? Sim, recusei. E se isso for o motivo para falhar, então sei que fiz tudo o que tinha de ser feito.

Diário Económico, porta aviões ao fundo

Diário Económico, porta aviões ao fundo

 A dúvida mantém-se, Económico é para Continuar ou vai tudo optar por dizer: Não, Obrigado!

 

Hoje começa mais uma semana de esforço para os trabalhadores do Económico (site e televisão). Pessoas que continuam a segurar um projeto líder mas que não tem, até ao momento, uma solução de gestão.

 

Sempre que existe uma luz ao fundo do túnel, os trabalhadores acabam por ser atropelados por um TGV. E, apesar da desilusão, voltam a pensar para si próprios, "mais um esforço, chegámos até aqui vale a pena lutar mais um pouco". Salários em atraso, pagos à semana. Reuniões de moralização, ou de expiação, e mais uma semana de trabalho em que mantém a liderança. Comentários, alguns desnecessários, expostos nas redes sociais.

 

Faz parte de todo um processo moroso e desgastante, tanto a nível físico como psicológico. Depois da demissão da direção de Raúl Vaz, atualmente diretor do Jornal de Negócios, a função foi assumida interinamente por Mónica Silvares e Filipe Alves. Numa altura em que todos decretavam já o fim do título, os novos diretores conseguiram manter o projeto a funcionar, suportados por todos os trabalhadores que continuaram a lutar pelo projeto.

O futuro do projeto não depende dos trabalhadores, depende de gestão. O porta-aviões, já afundou mais um pouco! 

Sabiam que tinha de ser uma solução provisória, até que se concretizasse a aquisição por um novo investidor. Alguém que tivesse a vontade de manter o projeto e apostar na sua renovação e relançamento. O projeto, apesar de tudo, manteve-se líder ao longo de todos estes meses. Batendo o Jornal de Negócios, o concorrente direto.

 

Mas, semana após semana, dia após dia, o negócio de venda, que "estava por horas", tardava em chegar. Avanços, recuos, reuniões de credores, decisões no Tribunal, um comprador assumido que anuncia a desistência do negócio.

 

Ao mesmo tempo, o anúncio da chegada de novos projetos na área da economia. Num mercado onde os dois já existentes têm pouca margem, o aparecimento de mais um projeto fez abalar os alicerces. Para que um novo surja, o mercado terá de penalizar os outros. O bolo publicitário não vai aumentar. As fatias de cada um vão ficar mais curtas. Isto, é uma certeza.

 

O Económico tem a força de (ainda) ser líder e o nome, a marca. Mas, por causa das dívidas da Ongoing, os títulos estão penhorados ao Fisco e à Segurança Social. Há dúvidas que um novo comprador possa usar o título sem pagar essas dívidas. Duvido que alguém queira pegar num projeto com este peso.

 

Por isso, quando se fala de relançamento, fala-se também na criação de uma nova marca, a competir com o Eco já anunciado por António Costa, ex-diretor do Económico.

 

Neste momento, é de louvar o esforço que todos os trabalhadores do Económico (site e televisão) têm mantido até aqui, mas é quase certo que não havendo negócios, a batalha está perdida. O porta aviões foi severamente atingido e o rombo será difícil de remendar.

 

É preciso não esquecer que todos os trabalhadores no ativo, com excepção dos da televisão, são todos contratados da ST&SF. E mesmo a televisão, que é autosuficiente do ponto de vista financeiro, está em risco.

 

Os jornalistas, cujos contratos de trabalho estavam celebrados com a ST&SF (empresa que decretou falência), estão no desemprego e já têm mesmo na sua posse o papel para o Fundo de Desemprego. No entanto, mantêm-se, como sempre fizeram, a colaborar com o site, alimentado-o com notícias e liderando o mercado do jornalismo económico. É de reforçar, têm o papel para o Fundo de Desemprego na mão, mas, até agora, têm mantido o projeto a funcionar, sem conhecer o futuro. Pelo meio, uma tentativa de novos contratos com a Económico Digital (empresa que detém o site) com condições que a maioria recusa aceitar: perda de antiguidade, cortes salariais...

 

O anúncio de desistência de Luís Trindade do negócio, levou a que, mais uma vez, todos pensem que o esforço tem sido em vão. Desta vez, a luz ao fundo do túnel não estava lá, começou a ficar mais longe. E chega o momento em que mais vale desistir. O futuro do projeto não depende dos trabalhadores, depende de gestão. O porta-aviões, já afundou mais um pouco!

Notícia versus conteúdo

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Ficou fascinado pelos olhos azuis do bichano? Mas o texto irá falar pouco, ou nada, sobre gatos. 

 

Nos dias que correm, num panorama em que o conteúdo é a melhor "ferramenta" de uma estratégia de marketing, existe alguma confusão entre conteúdo e notícias. Os dois são assumidos como sendo exatamente a mesma coisa. Não são, e há muitas diferenças entre eles. Uma notícia pode ser considerado conteúdo mas conteúdo não é propriamente notícia. E, como derivado, uma notícia é composta por conteúdo selecionado de acordo com critérios editoriais, jornalísticos.

 

Principalmente quando se fala de digital, de internet, esta separação é crucial. Com a massificação da internet, das redes sociais, da partilha viral, o termo conteúdo começou a dominar o mundo dos media, da comunicação, do marketing. Evoluiu mais depressa do que o jornalismo, sem capacidade de se adequar e fazer frente à euforia do consumo e da usurpação permitida pela internet, pelas redes sociais.

 

Ao deixar-se enredar por este frenezim, os meios de comunicação social começaram, eles próprios, a dar relevância àquilo que se passa nas redes sociais. Ajudaram-nas a crescer, ficaram cegos pela velocidade e não tiveram capacidade de prever o futuro. O presente!

 

Os jornais, as televisões, os jornalistas, transformaram em notícia o conteúdo dos cidadãos, muitas vezes em detrimento das notícias produzidas pelos próprios jornalistas. Apareceu a expressão "jornalismo do cidadão", que, enquanto profissional, recuso. Tal como recuso a existência da medicina ou arquitectura popular, apenas para dar dois exemplos.

Os leitores são, pegando na ideia da história, os heróis, mas também os vilões. Ao recusarem pagar para ler notícias, aceitam tudo o que lhes entra pelas redes sociais.

Em qualquer uma das áreas há quem considere que tem valências para as praticar, e até conseguem colocá-las em prática, mas nunca se podem substituir aos profissionais treinados e com qualidade específica para os realizar. Nem os jornais e jornalistas devem divulgar esse conteúdo sem o tratamento devido.

 

Vamos ver uma coisa. Eu, por exemplo, sou capaz de erguer uma parede, de assentar chão, colocar azulejos, de aplicar um lambri, papel de parede ou pladur. Mas faço-o por gosto e nem me passa pela cabeça, pelo menos sem me formar e adquirir experiência nessa área, assumir-me como profissional e oferecer os meus serviços ao público. (Leia-se que não existe um curso superior para ladrilhador (há engenharias e arquiteturas), mas um período de aprendizagem mais aprofundado com alguém que já o faça, adoptando algumas regras, é essencial para poder assumir a responsabilidade).

 

Voltando ao conteúdo, podem surgir questões como: "não são válidos os vídeos que um cidadão coloca sobre neve, ou cheias na internet? Ou sobre os atentados de Nice?" São, com o devido filtro feito pelas redações e com limites. E, claro está, convém evitar as situações como a que levou recentemente um jornal a publicar uma foto de um suposto furacão na margem sul do Tejo. Afinal, a foto era uma montagem, feita por um internauta, e nunca foi verdade.

 

Ou, como sucedeu com o "atentado" de Nice, onde além de faltar o tal filtro editorial, colocou-se a nu o estado da profissão a nível global.

 

Feito este esclarecimento prévio, o óbvio! Conteúdo pode ser tudo, mesmo não sendo nada. Conteúdo pode ser um vídeo de um gatinho a lamber o próprio traseiro, ao mesmo tempo que arregala os olhos, ou um qualquer texto, mesmo que bem esgalhado, sobre qualquer assunto.

 

Notícia, é algo que deve estar restrito aos jornalistas, aos meios de comunicação social regulados e reconhecidos para o efeito. Obedece a regras deontológicas e de escrita e apenas existe para trazer ao público algo de novo, credível, trabalhado por profissionais.

Um jornalista jamais deve escrever qualquer peça de conteúdo falsa, levando a crer, hipoteticamente, que barrar o corpo com manteiga ou óleo vegetal serve para proteger dos raios nocivos do sol.

A narração de uma notícia de género jornalístico deve ser feita com exatidão, objetividade e imparcialidade. Deve ser destacada a veracidade dos factos, a clareza da linguagem e a objetividade do seu conteúdo.

 

Há lugar para ambos os modelos e podem mesmo conviver, no mesmo espaço. Mas, a confusão existe e tem vindo a agravar-se. A distinção podia ficar por aqui, pela rama, mas este texto precisa de ir mais fundo. Até porque é importante separar conteúdo de qualidade do chamado conteúdo viral.

 

O content marketing

Quem tem seguido o que escrevo neste blogue sabe que defendo a existência do content marketing como uma das soluções para os media cativarem investimento publicitário, essencialmente no digital. Porque, como se sabe, há já muitos anos que no papel existem os dossiers especiais sobre temas variados, patrocinados por marcas. Não fazer confusão com "news marketing".

 

E esta é "a" diferença entre notícia e conteúdo: uma notícia jamais deve responder a um patrocinador. No entanto, lembro o seguinte, se ninguém paga para ler jornais, sites de notícias, e se estes sobrevivem da publicidade, todas as notícias acabam por estar patrocinadas, indiretamente, pela publicidade existente junto a essas notícias.

 

E, vale sempre a pena reforçar esta ideia, o termo conteúdo patrocinado não precisa ser prejurativo porque, lá está, há conteúdo e há notícias. Acima disto tudo, deveria haver o nome e credibilidade do órgão de comunicação social, do jornalista, o respeito pela deontologia e regras do jornalismo.

 

Enquanto houver esta confusão de termos, a mistura de todas as coisas na internet, o jornalismo irá continuar em queda e as marcas pagam mais a um qualquer bloguer para escrever uma peça sem qualidade, desde que o blogue apresente uns números interessantes (não interessa como angariam o tráfego), do que pagam a um jornal com 100 anos de história no jornalismo.

 

Vamos esquecer a separação das coisas por um breve momento. Um jornalista, um profissional da comunicação, sabe que a melhor forma de chegar aos leitores é através de uma história envolvente, bem contada. Por isso, e de forma muito básica, uma notícia, por regra, respeita o formato da pirâmide invertida.

 

Saber escrever, contar uma história, seja na imprensa escrita, internet, rádio ou televisão (cada um dos meios com as suas especificidades) é aquilo que distingue uma boa peça de um post de blogue que, como já escrevi diversas vezes, regra geral, é uma espécie de diário digital onde os autores podem publicar qualquer coisa. Um desabafo ao estilo, "querido diário, hoje cruzei-me novamente com aqueles olhos castanhos. Mesmo estando um dia de outono, encoberto, o cabelo moreno parecia brilhar..."

Hoje em dia, ser jornalista é uma profissão com pouco mérito, atacada por quem lê.

Claro, mesmo aqui, aplica-se o conceito do contador de histórias, o tal Storytelling tão badalado no mundo do marketing e dos conteúdos. Mas, não se trata apenas de contar uma história, é preciso saber contá-la, saber como chegar aos leitores, como os envolver e os colocar como heróis da história que lêem. Porque, afinal, contar uma história todos conseguem. Contá-la de forma a cativar e envolver quem a lê ou ouve, já é outra conversa.

 

Por isso, acredito que tal como já sucedeu noutras áreas, com o tempo, e passado todo este "entusiasmo" dos números, dos milhões de páginas vistas, apresentados por alguns blogues, as marcas vão centrar as atenções na qualidade, na credibilidade, no nível de envolvimento que as histórias têm com o público que as lê e no retorno real do investimento feito.

 

Do lado dos jornais, é preciso saber assumir este espaço. Saber traçar bem aquilo que é conteúdo patrocinado, content marketing, feito pelos profissionais, do conteúdo noticioso. Saber dar aos leitores as histórias da melhor forma possível. Usar a credibilidade dos jornais e jornalistas para a produção de conteúdo de qualidade, sem cair na tentação do facilitismo da tradicional publireportagem (outro estilo, outras regras).

 

Como as coisas funcionam melhor com exemplos, aqui fica um: uma marca de produtos de proteção solar pode, por exemplo, patrocinar conteúdos sobre os perigos do sol, a necessidade de utilização de protetores solares, como devemos agir para nos protegermos, adultos e crianças. Sem, no entanto, ser referida uma única vez a marca no conteúdo. A marca poderá surgir nos espaços próprios, destinados à publicidade. Sim, para clareza, pode até haver a informação extra de que o conteúdo que está a ser lido foi patrocinado pela marca.

 

Agora, imaginem que todo este conteúdo, como se sabe que as pessoas estão mais atentas ao tema na altura do verão, é feito por decisão do jornal, do jornalista. É o facto de ninguém pagar pelo conteúdo que ele vai ter mais valor para o público?

 

Como é óbvio, vale a pena reforçar a questão da deontologia. Um jornalista jamais deve escrever qualquer peça de conteúdo falsa, levando a crer, hipoteticamente, que barrar o corpo com manteiga ou óleo vegetal serve para proteger dos raios nocivos do sol. Devem antes sustentar a informação com dados de especialistas, médicos, por exemplo. Dá para perceber a ideia?

 

A deontologia

Estou a escrever este artigo, que já tinha como rascunho há algum tempo, e chega-me uma nota do Sindicato dos Jornalistas a fazer um alerta com o seguinte título: "Nota do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas sobre publicidade e permeabilidade do jornalismo a conteúdos comerciais".

 

Sinceramente, desconheço se o Sindicato já discutiu alguma vez o tema do espaço de media ocupado por sites que mais nada fazem do que copiar o trabalho dos verdadeiros meios de comunicação social mas que, por terem melhores estratégias de comunicação e marketing, mostram bons números e acabam por desviar investimento publicitário.

 

O resultado é conhecido por todos os que vivem do negócio. O bolo publicitário é curto e quantos mais houver, menos cabe a cada um. E, como será fácil de calcular, se um meio que nada ou pouco investe para produzir uma notícia, optando pelo "picanço" de quem gasta na produção, consegue ganhar dinheiro com este conteúdo, com esta "notícia", o meio original ganha menos.

 

Nas discussões que tenho sobre o tema há sempre quem realce o óbvio: esses meios têm o mérito de fazer melhor divulgação, sabem usar melhor as redes sociais, etc. Claro, e eu respondo, e quando os meios originais, aqueles que sabem como produzir esse conteúdo, fecharem as portas? Onde vão os cábulas arranjar notícias para copiar? 

 

O papel dos leitores 

Os leitores não são inocentes neste processo. Os leitores são, pegando na ideia da história, os heróis, mas também os vilões. Ao recusarem pagar para ler notícias, aceitam tudo o que lhes entra pelas redes sociais, tomam como bom o conteúdo apresentado por sites com nomes desconhecidos e deixam de seguir e dar o merecido valor aos jornais com nome, com credibilidade.

 

Depois, como virgens ofendidas, colocam todos os jornalistas no mesmo saco, criticando, muitas vezes de forma ofensiva, toda uma classe profissional. Por isso, hoje em dia, ser jornalista é uma profissão com pouco mérito, atacada por quem lê. Serão poucos os que percebem que quanto mais lerem, de forma gratuita, criticarem os espaços de publicidade, usarem os tais bloqueadores de publicidade, cada vez irão ter menos qualidade, menos imprensa livre, menos democracia. Será que os leitores estão dispostos a pagar por conteúdo de qualidade?

 

Porque, afinal, os meios de comunicação social são um negócio e precisam de encontrar formas de ganhar dinheiro para pagar salário so jornalistas e outras pessoas essenciais para que as notícias cheguem aos leitores.

 

Já o tenho dito mas creio que vale a pena reforçar: quando lêem uma notícia, tal como lêem um livro ou ouvem uma música, sem pagar nada por ela, alguma vez pensam como os autores ganham dinheiro? Pensem nas vossas profissões, não acham justo ser remunerados pelo vosso trabalho?

 

Voltando à nota do Sindicato, é pouco clara em relação ao caso apresentado mas, depois de recordar a Lei de Imprensa, termina com a seguinte afirmação: "Mais, o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas alerta os jornalistas em geral para uma realidade que se tem consolidado nos órgãos de comunicação social que é o facto de haver contaminação de conteúdos e espaços jornalísticos por conteúdos publicitários ou comerciais".

 

Deduzo que, mediante o que se tem visto, da maior aposta dos anunciantes em conteúdo, com prejuízo da publicidade tradiconal, que o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas se refira ao content marketing. Que, recordo, tem sido a tábua de salvação de muitas redações. E pergunto, que medidas toma o Sindicato para tentar salvar os media?

A título de esclarecimento, a questão já seguiu para o Sindicato, aguarda-se resposta.

 

A decadência

Como jornalista, e com uma aposta na internet nos últimos 10 anos de profissão, custa-me ler os comentários das pessoas que ofendem, descredibilizam e colocam a profissão de jornalista num nível abaixo de lixo. Muitas vezes, feitos pelos mesmos que ofendem Cristiano Ronaldo e defendem Lionel Messi.

 

No entanto, seria bom que essas pessoas pessoas percebessem que a grande parte da responsabilidade pelo estado da profissão de jornalista é dos próprios leitores/consumidores de notícias. Ao privilegiarem "os Buzzfeed da vida" e assumirem estes meios como órgãos de comunicação social, estão a contribuir para o encerramento das redações a sério, para o despedimento de jornalistas seniores e contratação de pessoas que nada mais fazem do que "picar" notícias. Pessoas que publicam erros (e não falo apenas de erros ortográficos, muitas vezes existentes pela falta dos revisores), dão pontapés na deontologia. Mas, como já ouvi da boca de alguns dos mais altos responsáveis dos media em Portugal, "sabem mexer bem nas redes sociais".

 

Este é um tema que me apaixona, por razões óbvias, e poderia escrever sobre ele horas sem fim. Mas, para terminar, focando no tema que deu início a este texto, o Sindicato, tal como o jornalismo em geral, deveria adaptar-se a esta nova realidade que é a internet. Mais vale esclarecer as coisas com os leitores, deixar claro que há notícias e conteúdo e que pode até haver uma marca com interesse em divulgar determinado conteúdo, mas assegurando sempre a separação das notícias e o respeito pela deontologia.

 

E, já agora, lanço a pergunta, se choca assim tanto aos leitores o jornalismo ao estilo Correio da Manhã, porque continua esse jornal e televisão a liderar audiências?

Porque será que aquilo que se torna viral e é visto por milhões é o conteúdo voyeurista, violento?

 

Já o escrevi e repito: todos defendem a RTP2, mas ninguém vê. Todos criticam o "Big Brother" mas é o que mais se ouve comentar nos cafés. 

 

Última nota sobre Nice

Estava de férias quando ocorreu o "atentado" de Nice. Vi, incrédulo, as mesmas imagens em quase todos os canais por onde fiz zapping no momento em que as televisões estavam todas a emitir em direto. Não foi apenas na CMTV que vi imagens de sangue, de corpos estrupiados, em direto, sem filtros.

 

Isto acontece pelo frenesim em que vivemos, pelos números das audiências. Mais uma vez, cabe aos leitores escolherem o que querem ver e, até agora, todos vêem o lhes passa no Facebook, clicam em imagens, em títulos apelativos, dão o tal clique a sites que ninguém conhece. Partilham, ajudam o algoritmo do Facebook a tornar o "conteúdo" viral. São livres de o fazerem, mas não acusem os jornalistas, pelo menos aqueles que ainda trabalham de forma digna.

 

Só quando o fizerem se evitam situações como as relatadas durante o atentado em Nice.

Os jornalistas, a isenção e a total ausência de opinião

Adeptos celebram conquista do 35º campeonato no Marquês de Pombal

Quantos jornalistas, médicos, comerciantes, estão aqui a celebrar? 

 

Desde sempre, e as regras são claras, que um jornalista deve "a) Exercer a actividade com respeito pela ética profissional, informando com rigor e isenção;". Assim dita a alínea a) do Artigo 14º do Estatuto do Jornalista, publicado no site da Comissão da Carteira Profissional.

 

Já no Código Deontológio, entre outras regras, pode ler-se, logo no primeiro ponto, que "O jornalista deve relatar os factos com rigor e exatidão e interpretá-los com honestidade. Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. A distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público."

 

A esta altura, devem estar a questionar-se, porque razão estarei a transcrever estes factos? Surgem a propósito daquilo que hoje, em particular, surge nas redes sociais em relação a jornalistas que felicitam o benfica pela conquista do campenato. É preciso não esquecer que há outros tantos que também dão os parabéns ao Sporting ou ao FC Porto.

 

Mas, o que aqui está em causa é a tentativa de tornar estas manifestações públicas da cor clubística, um direito de qualquer cidadão que vive em Liberdade, numa espécie de clube de pessoas que ajudaram o Benfica a conquistar o campeonato.

 

Antes de mais nada, e tal como está escrito na Lei do jornalista, uma coisa é a redação de notícias e o seu trabalho de cobertura de eventos, outra a sua vida como cidadão. Não está escrito em lado nenhum, e seria ridículo, que um jornalista não pode ter preferências clubísticas, religiosas ou políticas. Já agora, também preferências amorosas.

 

O que não deve suceder é um jornalista publicar trabalhos na imprensa, televisão ou rádio, que violem as regras. Mas um jornalista não está impedido de se manifestar publicamente, como cidadão. E, apesar de tudo, um jornalista, pela responsabilidade que tem, dev ser moderado nos comentários que faz, pode dizer, mas sem apelar a violência, ou ofender os outros, por exemplo. Algo que defendo que todos deveriam fazer!

Que os árbitros erram, não restam dúvidas, que o fazem porque foram pagos para tal, recuso acusar sem provas.

Vejamos, por exemplo, o caso de Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República Portuguesa. Todos conhecem as suas preferências clubísticas, não está impedido de as mostrar. No desempenho das suas funções deve manter a isenção devida e tratar o tema com o respeito que todos os cidadãos merecem.

 

O mesmo se passa com os jornalistas. No seu trabalho devem ser isentos mas nada os impede de terem uma vida social ativa e participativa. Como tal, considero que podem festejar, ou manifestar a sua tristeza, pelas vitórias ou derrotas dos seus clubes.

 

A título de esclarecimento, não estou a defender as situações em que a imprensa, as rádios ou televisões, eventualmente, publiquem artigos tendenciosos que violem as regras. Aí, têm de ser as instituições reguladoras a intervir, através da análise e punição dos prevaricadores.

 

Estou sim a defender que um jornalista é um cidadão, e tem direito à sua opinião. Aliás, está previsto na lei que o jornalista pode escrever opinião desde que seja claro para o leitor que se trata de um artigo opinativo, tal como descrito no ponto 1 do Código Deontológico.

 

Outro exemplo, os médicos. Podem nem gostar de um pedófilo, ou de um assassino. Mas se o tiverem na mesa de operações, têm a responsabilidade de tudo fazer para lhe salvar a vida. Podem dizer publicamente que pessoas assim deviam perder a vida? Pode um médico, adepto do Benfica, recusar tratar em condições um do Sporting? Podem, mas a sua obrigação profissional, o seu juramento, obriga-o a respeitar regras.

 

Esta moda, que tem crescido nos últimos anos, despromovendo a classe jornalística, em parte, tem um fundo de responsabilidade dos própios jornalistas. Ou melhor, de algumas pessoas que se dizem jornalistas e que têm dominado as redações.

Será errado um jornalista assumir as suas preferências clubísticas? 

A precária situação profissional dos jornalistas, que se mantêm sob a constante ameaça de despedimento, a maioria está anos sem fim a recibos verdes, com salários abaixo dos 900 euros, permite que tal suceda. Quando se fala de pressões, de perseguições, talvez fosse bom olhar em primeiro lugar para "o que se passa, de verdade, nas redações".

 

Vou deixar este tema para outro dia porque obriga a uma refelxão mais profunda. Hoje, falamos da liberdade que um cidadão, que por acaso até exerce a profissão de jornalista, tem de se exprimir publicamente.

 

Mesmo sendo um jornalista desportivo? Sim, mesmo sendo um jornalista que habitualmente faz a cobertura de eventos desportivos. Sempre que abordo este tema, em conversas, é incontornável, fala-se do jornal A Bola, da sua "suposta" ligação ao Benfica. Vou deixar de lado qualquer comentário ao tema, serve apenas para referir que tenho amigos, sportinguistas ferrenhos, que compram este jornal relegiosamente. Depois criticam, falam do "benfiquismo" dos artigos. Mas compram porquê, questiono? "Não consigo deixar de comprar, é um vício". Eu acrescento, é a paixão do futebol. Onde um lê algo negativo, outro revê-se por inteiro.

 

A bem da imprensa, digo, um vício bom, comprar jornais. Mas que há coisas menos claras, não restam dúvidas. Agora, são estas notícias que fazem ganhar campeonatos? Os jogos não se fazem dentro de campo? Fazem, e com tudo o que isso implica. Arbitragem incluída.

 

Para mim, aquilo que é mais grave, é o facto das pessoas apenas lerem aquilo que defino como "as cenas sensacionalistas". Desde 2003 que trabalho no digital, onde se consegue medir, ao segundo, aquilo que as pessoas lêm. Há mais de 12 anos que sei que as pessoas gostam e valorizam os títulos que falam de acidentes, mortes, violações, Benfica, Sporting, Porto (no caso dos clubes, normalmente por esta ordem).

 

Se eu fizer uma notícia a falar do Belenenses, terei pouco sucesso. Talvez seja lido pelo meu amigo João. Meia dúzia de cliques. A mesma notícia, mas com Benfica ao barulho, tem um impacto muito superior. E isto sucede porquê? Porque é aquilo que as pessoas querem ler e valorizam. E, acreditem, não serão apenas os benfiquistas a ler...

 

É semelhante ao fenómeno da RTP2: todos dizem que é relevante, como serviço público, mas ninguém vê. Ou como o Big Brother e programas idênticos, todos criticam, mas as audiências mostram que está tudo pregado ao ecrãn.

 

Por isso, quando vejo nas redes sociais críticas, até de alguns jornalistas que se dizem "envergonhados", pelo facto de haver outros que colocam fotos a celebrar com o clube da sua preferência, pergunto. Qual é o mal, desde que não estejam a publicar isso como trabalho ou não deixem essas preferências influenciar os seus artigos?

 

Um jornalista não vota? Vota. E mesmo sendo um jornalísta que acompanha temas políticos ou de economia, tem a obrigação de manter a isenção quando escreve um artigo. Agora, sejamos claros, um jornalista é um ser humano e é quase impossível falar de uma isenção a 100 por cento. Nem que essa "suposta falta de isenção" seja feita pela relevância que dá a um tema. Convencionou-se chamar a isso, opção editorial.

 

Para os que me acompanham no que escrevo nos três blogues que alimento, sabem que, mesmo na opinião que exprimo na escrita, tento manter as coisas com um nível sério. Mesmo quando falo de política, tenho sempre presente que, acima de tudo, gostava de ter políticos honestos, sejam de esquerda ou direita.

A isenção é algo complicado de definir para um ser humano. Por isso, quando um jornalista escreve um artigo, deve limitar-se aos factos e deixar para textos de opinião a sua visão pessoal. 

Naquilo que me diz respeito, prefiro manter as coisas de forma clara. Prefiro saber as inclinações pessoais de um jornalista para, quando ler o que escreve, fazer os devidos filtros. Mas há algo que, como profissional, para mim é sagrado. Honestidade dos factos. Essa deve ser a linha que um jornalista jamais deve ultrapassar.

 

Vamos aos factos. O Benfica mereceu conquistar o campeonato? Os factos dizem que sim. Teve mais pontos, bateu até rocorde de pontos (88), do que o Sporting.

 

Houve casos de jogo, penaltis por assinalar? Houve, também é um facto. Mas eu, como jornalista, não possuo dados que me permitam acusar árbitros. Sabemos, pelas repetições das imagens televisivas, que houve penaltis por assinalar ou outros que não existiram, de facto. Mas é quase impossível dizer que o árbitro viu e decidiu ignorar. A título de experiência, porque eu já a fiz, convido qualquer um a colocar-se em campo, num jogo, no papel do árbitro e a decidir dezenas de situações em simultâneo. É impossível ver tudo. Basta estar posicionado um metro mais à frente ou mais atrás para ser impossível saber se a bola passou ou não a linha, que o jogador estava ou não fora de jogo, que a falta existiu e que foi dentro ou fora da área.

 

Mesmo com as imagens de televisão, muitas vezes, continua a dúvida. Por isso, continuamos a alimentar a paixão com os casos de jogo. A culpar os árbitros. Que eles erram, não restam dúvidas, que o fazem porque foram pagos para tal, recuso acusar sem provas.

 

Por isso, quando se fala que uma notícia influenciou o resultado de um jogo, recordo-me sempre dos "mind games" de Mourinho. Cabe, também, aos treinadores, manter os jogadores focados. Cabe aos presidentes dos clubes a responsabilidade de zelarem pela verdade desportiva e por um bom ambiente nos estádios. E não fazerem aquilo que habitualmente fazem que se reduz à inflamação dos adeptos que leva a confrontos desnecessários. Que impede que eu, como adepto, arrisque levar a minha filha a assistir a um jogo de futebol porque no fundo sei que a vou colocar em risco de vida.

 

Como cidadão, como adepto, posso comentar, opinar. Dizer que o Benfica venceu este campeonato até com alguma sorte, depois do arranque mal conseguido. Posso até comentar que Jorge Jesus pagou a arrogância das suas declarações. Mas, como jornalista, devo manter as coisas ao nível dos factos. 

 

Pior são os que se escondem, camuflados. Os que criam factos, manipulam. Mas, como já disse, cabe às entidades reguladoras estarem atentas e agir como manda a lei.

 

Resta apenas terminar com a observação que ontem me assolou enquanto voltava, de bicicleta, do parque infantil com a minha filha: A crise acabou, a julgar pela quantidade de gente que andou a queimar combustível, na véspera de mais uma aumento deste líquido "precioso".

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Os media estão a viver na era de "The Walking Dead"

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A crise que afeta os media portugueses é como um vírus que ocupa praticamente todo o planeta. Por muito que se procurem culpados este é um fenómeno ao nível do que se representa na série de ficção "The Walking Dead".

 

Antes de mais, convém dizer que a culpa não morre apenas na Internet. Aliás, a título de esclarecimento prévio, este meio é valioso e tem sido ignorado pela gestão das empresas de media.

 

No entanto, a Internet lançou um vírus que apenas ajuda a propagar os chamados "conteúdos virais". Vídeos de pessoas a bater com a cabeça numa parede, um acidente brutal, um gatinho a saltar de uma bancada de cozinha e a cair dentro de uma panela com água quente, dois homens da construção civil a trabalhar de forma ignóbil (leia-se, provavelmente porque acharam que ao fazer esta figura parva estavam a ser engraçados) que acabaram por ser gozados como pessoas sem o mínimo sentido de realidade. Vale tudo!

 

Não se fica apenas pelos vídeos. Os títulos enganadores, os textos mal escritos, copiados, muitas vezes, são "valorizados" por quem lê. Tornam-se virais porque os "algoritmos" das redes sociais assim o definem. São os conteúdos que apelam ao "voyeurismo", o mesmo fenómeno que nos faz parar para ver um acidente, bloqueando o trânsito.

 

Torna-se viral porque os próprios media abdicaram de lutar pela qualidade. Foram atingidos pelo vírus e, eles próprios, na ânsia de conquistar mais cliques, ajudam a propagar estes conteúdos. Não estão a fazer um bom serviço. Nem a eles, nem ao público, que deveria ser educado com conteúdo de qualidade.

 

Do ponto de vista de gestão, muitos dirão que não compete aos media educar o público. Se querem ver novelas, a grelha das televisões enche-se de novelas. Com ou sem qualidade.

 

E isto sucede porque, em plena guerra contra o vírus, contra a desgraça e fim eminente de uma classe profissional, em vez de união, os media abatem-se uns aos outros. Um parelo com a série da FOX onde, os poucos humanos sobreviventes, os que ainda não se tornaram zombies, optam por se matar em vez de se unirem, pela sobrevivência da espécie.

 

Esta será, talvez, uma das séries mais parvas que existe, mas tem seguidores fiéis. Eu, pecador me confesso. Mais do que as cenas sanguinárias, existe na génese do argumento toda uma análise sociológica daquilo que somos como humanos.

O que sucederia se todos os grandes jornalistas, focando o tema em Portugal, se juntassem para fazer um projeto editorialmente forte, isento, sem ligações económicas ou políticas.

A cada episódio não espero nada mais do que ver Rick e o seu grupo estoirar a cabeça dos "walkers", mas anseio pelo desfecho sociológico. Pelas relações entre os humanos que, em situações de crise, pensam apenas em si e esquecem que, se unirem esforços, podem ser mais fortes. Lutam e desperdiçam alimentos. Lutam e morrem às mãos de pessoas que também fogem aos perigos. Fecham as portas a quem, desesperado, procura abrigo e refúgio. Não é assim tão longe da realidade. Quando vejo o que está a suceder com a crise dos refugiados sírios, imagino cenas ao estilo "The Walking Dead".

 

O mesmo se passa nos media portugueses. Não digo que isso aconteça ao nível dos jornalistas, dos poucos que ainda pensam a profissão, com rigor, deontologia, sentido de responsabilidade e respeito pelos leitores. Mas há muitos anos que sucede com quem decidiu que o jornalismo deveria servir os interesses de alguns e não a liberdade de expressão e a democracia.

 

Nas redações, pratica-se a auto-censura. Quase nem é necessário haver um diretor "mandado" a bloquear ou a encaminhar a escrita em determinado sentido. O sentido de salvação do lugar, do emprego, do salário precário ao final do mês, na maioria dos casos a recibos verdes, sobrepõe-se a tudo isto. Mesmo os históricos que ainda estão nas redações, sentem o peso da censura. Dali, só a reforma!

 

Nas redações também há profissionais exemplares, em todas elas, que não crescem. Muitos, os mais novos, sem a possibilidade de aprender com a memória de gerações anteriores. Crescem e potenciam este vírus. Sabem como entrar na corrente do algoritmo, muitas vezes sem pensar no erro.

 

Por essa razão, nas redações falta memória. Falta quem ensine às novas gerações como se faz jornalismo a sério. Esses "professores", que ensinam mais do que nas universidades, estão afastados. São os incómodos, os que questionam mas que, no fim do dia, também se mantêm de costas voltadas.

 

O que sucederia se todos os grandes jornalistas, focando o tema em Portugal, se juntassem para fazer um projeto editorialmente forte, isento, sem ligações económicas ou políticas. Sem diretores "nomeados", sem os prussianos que não se revoltam.

 

Alguém iria pagar para ler o que fosse publicado? Ou voltamos ao tema de base: vai ser um projeto dependente da publicidade. Dependente da decisão de quem investe e que pode, de alguma forma, influenciar negativamente as receitas que entram.

 

Ser jornalista é, acima de tudo, ser alguém com amor pela liberdade, com a responsabilidade sobre aquilo que escreve, que publica. Com obrigação de cruzar informações, confrontar e confirmar as fontes de informação. É alguém que deve saber conquistar e manter a credibilidade do seu nome perante quem o lê, vê, ouve!

 

Um jornalista não deve ter opinião? Deve, quando assina uma coluna e o assume dessa forma. Mas não deve emitir opinião, ou ocultar factos, quando escreve uma notícia. Há espaço para a opinião dos jornalistas, desde que seja claro para o leitor. Mas um jornalista é, supostamente, alguém informado, e para emitir opiniões deve ter sempre em conta os limites do bom senso. Afinal, escrever num jornal, num site credível, ou até num blogue, não é o mesmo que conversar com os amigos num café.

 

Não deve servir apenas para "passar a mensagem". Deve ser a sua opinião, como cidadão com acesso a informação e com o poder de chegar às pessoas.

 Quem sabe, com o tempo, com união profissional, se consiga voltar a dar ao jornalismo o lugar de destaque que ele merece.

A Internet não é a culpada do que se passa, os media não souberam, ainda, adaptar-se a este novo meio. Falta de visão, de lógica de gestão. De aposta na formação dos profissionais. Foi-se optando pelo mais simples, pelo que dava mais jeito, por enaltecer o "jornalismo do cidadão" (fico com arrepios só de escrever estas duas palavras, porque penso sempre na medicina do cidadão ou na arquitetura do cidadão) em vez de potenciar e fazer crescer os jornalistas.

  

Hoje em dia, as televisões passam os vídeos caseiros, os jornais publicam as fotos do público com o mesmo destaque que deveriam dar ao trabalho dos jornalistas. Os sites, as televisões, incentivam o envio de fotos e vídeos por parte dos utilizadores. User Generated Content. O termo é válido e, em casos como este, do granizo, ou dos atentados de bruxelas, pode ser mesmo crucial do ponto de vista informativo. Mas perde pelo que está na génese de uma reportagem.

 

Quem confirma que todas as fotos enviadas, os testemunhos escritos, enviados por email, são, realmente, do granizo que caiu nesse dia? Quem confirma que um email enviado com um depoimento do que "supostamente" viveu como testemunha durante os atentados de Bruxelas não de trata apenas de alguém que está sentado na cadeira ao lado da pessoa que o coloca em destaque?

 

Este conteúdo gerado pelos utilizadores tem o seu espaço, mas não deve susbstituir, nem sequer ser colocado no mesmo nível do trabalho jornalístico.

 

Pelo meio ouve-se muitas vezes que "a decisão de edição está entregue a miúdos que sabem qual o melhor título para dar cliques, mesmo que esse título diga tudo menos o que está escrito na notícia. Miúdos que não sabem distinguir informação de entretenimento".

 

Em parte, é verdade. A maioria dos jornalistas mais antigos (na casa dos 40 e poucos anos, e já são "os velhos", porque em Portugal envelhece-se depressa) resistiram à Internet. Lutaram pelo estatuto do papel. Abdicaram de se atualizar, de perceber as novas tecnologias. Tal como os títulos estão a entregar ao Google e Facebook o ouro, que são os conteúdos, os jornalistas deixaram nas mãos dos inexperientes a definição do jornalismo de Internet.

 

Os interesses económicos

Durante anos, os interesses de grupos económicos têm sido colocados acima de qualquer lógica de qualidade editorial ou jornalística. O cenário a que chegamos tem uma origem, e será fácil identificá-la. O poder dos media tem sido usado pelo poder económico como forma de dirigir interesses. Ao mesmo tempo que os jornalistas perdem força.

 

Aquilo que sucedeu com o Diário Económico, com a suspensão da edição impressa, será o menor dos males. É preciso pensar porque se permite que um projeto líder esteja em risco de fechar por más decisões de gestão. Por guerras accionistas. Li, em diversos comentários, que a culpa será também dos jornalistas. Sim, em parte sim, por não irem para o desemprego por fazer frente às questões de pressão, por não terem força nem união para combater aquilo que são as regras de uma profissão mal paga.

 

Será que se pode dizer que, mesmo perante o atual cenário, os jornalistas do Económico assumiram uma posição de união? Têm manifestado publicamente algumas posições mas,será que o estão a fazer apenas porque a administração já está fraca, sem o suporte da estrutura de lobby que manteve esta gestão e permitiu que chegasse até aqui?

 

A dúvida que muitos levantam é legítima: vale a pena manter a luta por uma empresa que está a entrar em insolvência? As alternativas não são muito melhores. O mercado não tem capacidade para absorver os 140 trabalhadores do Económico. Nem os cerca de 40 jornalistas irão conseguir trabalho. São poucas as empresas de media a contratar e, as que o fazem, estão a aproveitar recursos de topo com salários baixos e a recibos verdes.

 

Por isso, vamos todos andando neste mundo moribundo porque, enquanto houver quem ganhe dinheiro, o problema nunca será encarado de frente com união. Ainda existe uma réstia de esperança do lado de quem lê que começa a sentir falta da qualidade informativa. Quem sabe, com o tempo, com união profissional, se consiga voltar a dar ao jornalismo o lugar de destaque que ele merece.

 

A maior parte dos jornais em papel, pelo menos no que diz respeito a edições diárias, tende em fechar portas. Ouvem-se muitas queixas sobre o Correio da Manhã, mas é o jornal que mais vende em banca e será este, provavelmente, o último projeto a cair, se cair. E, se colocar-mos de lado o estilo tabloide, talvez seja o único jornal a fazer algum jornalismo de investigação em Portugal. Poderá ser levado à ruina se alguém tiver interesse em abafar as notícias publicadas. Se alguém surgir com 27 milhões de euros para comprar o jornal, tal como sucedeu com o Económico, ser líder poderá não ser garantia de nada.

 

Mas o papel será sempre (pelo menos nos próximos anos) uma fonte de credibilidade que a Internet ainda não tem. Compete aos jornalistas tornarem este meio mais credível, é aqui que estão as pessoas, é aqui que os futuros leitores acedem!

Deixar esse papel nas mãos das redes sociais será contribuir para o extermínio.

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